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Destinos Partidos

Capitulo 1

 

Quando Sandra desembarcou na rodoviária Novo Rio, ela não podia acreditar no quão feliz ela estava. Já havia se passado um ano depois da morte de sua mãe, o que a deixou imensamente triste, ela finalmente estava realizando um sonho. Esse que sempre fora apoiado pela mãe, mas ela nunca teve coragem de abandoná-la sozinha em Manaus.

 

         Ela lembra-se bem da mãe dizendo, na ultima vez que conversaram a respeito.

 

***

 

— Não, se prenda por mim minha filha. Vá atrás do seu sonho.

 

— Esse assunto não está em pauta mamãe, eu já disse milhões de vezes que não vou te deixar sozinha aqui.

 

— Não seja boba minha filha! Eu não vou durar para sempre e você está se privando por mim.

 

— Então pronto, já que a senhora não vai “durar para sempre” eu espero e daqui a vinte anos quando você estiver bem velinha e for descansar no paraíso, eu vou atrás do meu sonho.

 

— Não seja boba menina! Aí você estará velha demais pra isso.

 

— Não estarei! – Sandra deu um beijo no rosto da mãe – Você nunca quis sair daqui?

 

— Não! Eu sempre gostei da independência que conquistei aqui Sandra. Perdi meus pais cedo e tive que aprender a me virar. Descobri que não precisava de ninguém, nem pra me sustentar nem pra ser feliz. Apenas de você, minha querida! Você sempre foi tudo que eu quis...

 

— Por isso você resolveu ter uma filha por inseminação artificial. – Sandra repetiu as palavras da mãe sorrindo – Eu já ouvi muitas vezes essa historia mamãe. 

 

— Então não sei por que cisma em tocar nela novamente!

 

— Mas você realmente não sabe quem foi o doador?

 

— Não! – Bety mentiu – Agora chega de conversa e vamos comer. Estou morrendo de fome.

 

***

 

Quando Sandra saiu da rodoviária e o sol do verão tocou sua pele foi como uma calorosa boas vindas. “Pronto mamãe, estou aqui, realizando meu sonho. Espero que a senhora esteja tão feliz como estou.” Ela pensou.

 

Depois de pegar um taxi e ir até o apartamento que ela já havia alugado, há um mês quando veio agilizar sua vinda para o Rio, ela foi até a empresa onde iria trabalhar. Ela tinha sido muito eficiente na empresa que trabalhava em Manaus então seu patrão e amigo, o senhor Ernandes, foi categórico em dizer que ela trabalharia como secretária em um escritório que ele estava abrindo no Rio. Sandra estava indo até lá para se apresentar.

 

         Ela foi recebida por Fernando. Ele era um rapaz com no máximo trinta anos, era alto, cabelos arrepiados, olhos pequenos e puxados, e um largo sorriso.

 

— Você deve ser a Sandra Fantini. – ele disse sorrindo para ela.

 

— E você deve ser o Fernando Prado.

 

— Em pessoa. – ele fez sinal para que ela sentasse – Então você vai ser minha secretária? Fico feliz com isso, eu estava mesmo precisando de uma.

 

— O senhor Ernandes me disse que você estava com alguma dificuldade pra encontrar uma secretaria que se adequasse as suas exigências, mas eu não compreendi, numa cidade grande como o Rio o que não deve faltar é moças querendo trabalhar.

 

— Bom Sandra, você sabe que primeiro, no nosso ramo precisamos de pessoas que entendam do assunto, mesmo aquelas que vão apenas atender o telefone e fazer agendamentos. Segundo eu tenho um método muito peculiar, eu confesso, de trabalhar. Então preciso que a pessoa que for trabalhar comigo seja comprometida totalmente, e isso o senhor Ernandes já me garantiu que você é.

 

— Sou sim, senhor Fernando, tenho certeza que não vou decepciona-lo.

 

— Então já podemos começar com você parando de me chamar de senhor. – ele sorriu – Apesar de ser seu chefe eu não sou tão mais velho que você. O respeito não está na palavra “senhor” e sim na forma como nos tratarmos.

 

— Tudo bem... Fernando. – ela sorriu – E quando eu começo?

 

— Se você não se importar, amanhã mesmo. – ele apontou pra uma papelada em uma mesinha no canto da sua sala – Como você pode ver, eu estou um tanto enrolado. Preciso que aqueles arquivos sejam digitalizados.

 

— Se o senhor... – ele ergueu as sobrancelhas e ela sorriu – Desculpe! Se você não se importar, eu posso começar hoje.

 

— Achei que você fosse querer descansar da viagem, conhecer a cidade...

 

— Eu posso fazer isso tudo no fim de semana. Agora eu quero mesmo é começar a trabalhar.

 

— Acho que o Ernandes tinha razão. Você é a secretária perfeita!

 

         Sandra sorriu sem graça e se pôs a trabalhar. No final do expediente já tinha adiantado metade do trabalho e Fernando foi só elogios para ela.

 

         Quando chegou em casa tomou um banho refrescante e foi desfazer as malas. Comprou um pão na padaria que tinha na esquina do seu condomínio e um refrigerante. E essa foi a sua janta. Dormiu cansada, mas feliz demais. Estava realizando seu sonho e estava prestes a dar andamento a outro.

 

         Trabalhou o restante da semana e conseguiu por tudo em ordem. Fernando estava abismado com a eficiência dela. Algumas vezes na semana eles saíram pra almoçar juntos e estavam se tornando bons amigos.

 

         No sábado Sandra acordou cedo e foi até a faculdade que ficava próxima ao seu trabalho se matricular. Ela faria administração, assim poderia crescer na empresa que estava ou até procurar emprego em outra. Depois de conhecer as dependências da faculdade e fazer sua inscrição ela foi até a praia. Sempre via na TV e prometera pra si mesmo que não morreria sem antes conhecer o mar.

 

         Sandra ficou abismada com a beleza diante dos seus olhos. Era muito mais lindo que ela jamais poderia imaginar, diante daquela cena, lágrimas correram por sua face enquanto se lembrava de sua mãe, de todas as vezes que ela tentou convencê-la a ir com ela para cidade grande.

 

         Na segunda feira sua jornada de trabalho recomeçou, mas dessa vez tinha uma novidade. A noite ela iria para faculdade! Assim que deu o final do seu expediente ela saiu apressadamente em direção à faculdade. Estava ansiosa, animada!

 

         Já com o papel das suas aulas na mão, Sandra entrou na no grande prédio da faculdade e se sentia mais perdida de cego em tiroteio. Ela não sabia nem por onde começar a procurar sua sala. Ela foi em direção à secretaria para pedir informação quando um rapaz esbarrou nela, fazendo o papel da mão dela cair no chão.

 

— Me desculpe! – ele disse enquanto abaixaram juntos pra pegar o papel e suas cabeças bateram – Ai droga! Desculpe mais uma vez. – Repetiu enquanto Sandra esfregava onde suas cabeças haviam batido.

 

— Tudo bem! Pare de se desculpar. – ela disse sorrindo. – Quer se desculpar de verdade, me ajude a encontrar minha sala.

 

         Ela apontou para o papel que agora estava na mão dele.

 

— Agora mesmo senhorita. – ele brincou fazendo uma reverencia depois de observar por alguns segundos o papel, segurou na mão dela e a levou até uma sala não muito longe dali.

 

— Obrigada! – ela disse tirando o papel da mão dele.

 

         Sandra caminhou até um lugar vago e se sentou, quando se virou deu de cara com ele e franziu a testa.

 

— Legal não é mesmo? Fazemos o mesmo curso... – ele sorriu e estendeu a mão – Eu me chamo Renato.

 

— E eu Sandra.

 

— Oi de novo, Sandra.

 

         Eles se encararam por alguns segundos. Os olhos deles eram extremamente azuis. O cabelo de Renato era um castanho claro puxado para o dourado. Eles sorriram e pararam se olhar, pois ficaram ambos constrangidos.

 

         Como faziam o mesmo curso, Renato acompanhou Sandra em todas as aulas mostrando a ela onde ela deveria assistir cada matéria.

 

         No dia seguinte, quando Sandra chegou à faculdade, Renato a esperava no portão com a desculpa que as aulas daquele dia eram diferentes. Mas a verdade é que ele passou o dia inteiro pensando nela e ela não se importou com aquele gesto. Pra falar a verdade ela estava adorando que ele quisesse ficar perto dela. Ele era tão lindo, musculoso, alto, que ela imaginou que devia ter muitas meninas na faculdade atrás dele, mas ele simplesmente queria ficar perto dela. Talvez fosse por ela ser nova ali, mas ela não se importou.

 

         Os dias foram passando e eles se tornaram inseparáveis. Tocavam-se sempre que podiam, era um carinho, um afago no cabelo, uma piscadela que Renato dava para ela. Um sentimento forte começou a despertar nos dois. Quanto mais próximo ficavam, mais juntos queriam ficar. O coração dos dois parecia finalmente terem achado seu porto seguro. Mas apesar do sentimento entre eles ser visível até pra quem olhava de fora, nenhum dos dois se sentiu a vontade para dar o primeiro passo.

 

 

 

         No dia seguinte quando ela estava almoçando com Fernando seu celular tocou e era Renato. Ela pediu licença e se levantou para atender. Fernando observou atentamente enquanto ela falava ao telefone e sorria alegremente, e ainda mexia nervosamente em uma mexa do seu cabelo. Aquela menina não era só linda e inteligente, como também eficiente, encantadora... As qualidades eram intermináveis. Era uma menina-mulher!

 

         Quando ela voltou pra mesa, Fernando mexia nervosamente no talher e não a encarava.

 

— Alguma coisa errada Fernando? – ele balançou a cabeça negativamente – Ah claro que tem! Achei que fossemos amigos.

 

— Nós somos! – ele levantou a cabeça e a encarou – Eu só não sei como dizer isso...

 

— Apenas diga... – ela colocou sua mão por cima da dele – Seja o que for eu vou entender. – Sandra começou a pensar que ele queria despedi-la – Nada do que você disser vai abalar nossa amizade...

 

— Quer jantar comigo? – ele disparou antes que ela falasse mais alguma coisa que o desencorajasse mais ainda.

 

— Mas a gente almoça junto quase todos os dias.

 

— É diferente. – ele suspirou – Jantar não é o mesmo que almoçar.

 

— Claro que é iremos comer da mesma maneira...

 

— Você está debochando de mim? – ele disse sério e Sandra não entendeu a pergunta até que a ficha caiu.

 

— Oh! Jantar... Tipo um encontro?

 

— Isso! – ele disse sem graça.

 

— Olha Fernando, – ela suspirou – você é encantador e tudo mais, mas eu... Simplesmente eu não posso. – ela baixou os olhos tristemente, não queria dizer as palavras erradas, mas eles eram amigos e acima de tudo, ele era seu chefe – Eu conheci alguém na faculdade, e nós ainda não estamos juntos, mas eu acho que é só questão de tempo, então...

 

— Não precisa terminar de falar Sandra, eu entendo perfeitamente bem. – ele forçou um sorriso – Cara de sorte ele! Espero que ele cuide de você direitinho, senão terá que se ver comigo.

 

Ela retribuiu o sorriso. — Pode deixar que eu digo isso a ele.

 

         Eles sorriram e continuaram seu almoço, depois voltaram para o escritório e era como se nada tivesse acontecido. Eles conseguiram agir normalmente depois da situação constrangedora no almoço e Sandra ficou aliviada.

 

         Na semana seguinte Sandra já havia dito muitas coisas de sua vida a Fernando e ele para ela. Fora do escritório ninguém poderia dizer que eles eram chefe e funcionária. A relação deles era tão amistosa e agradável que ela não tinha como evitar. Passaram a almoçar juntos todos os dias.

 

         Em um dos dias enquanto almoçavam, Sanda lembrou-se de sua mãe. Sempre que ela mencionava Bety ficava emocionada demais.

 

— Você não fala do seu pai. – Fernando comentou.

 

— É porque eu não sei quem ele é.

 

— Desculpe... – ele se desculpou imaginando que o pai tivesse abandonado ela e a mãe, e por isso Bety a criara sozinha.

 

— Ah, não! Está tudo bem. – ela sorriu – Eu não o conheço porque nasci de inseminação artificial.

 

— Jura? E você leva isso na boa?

 

— Agora sim. Quando era criança era estranho não ter um pai, quando minha mãe me contou, comecei a me achar estranha, mas depois eu percebi que era bobeira e minha mãe supria bem a falta de um pai.

 

— Nossa! E você nunca teve curiosidade de saber quem ele era?

 

— Sempre! Até hoje, antes de vir para o Rio, eu olhava para os homens que aparentavam ter a idade da minha mãe e ficava me perguntando “Será esse o meu pai biológico”. Mas com o tempo desencanei. – ela ficou um tempo em silencio e depois continuou – às vezes eu tinha a impressão que minha mãe sabia quem era, mas escolheu não me contar.

 

— Mas como ela poderia saber? Essas coisas não são sigilosas?

 

— Sim, mas uma vez estávamos conversando sobre a minha vontade de sair de Manaus, e ela sorria enquanto eu mostrava a ela revistas com os grandes centros das cidades grandes. Quando eu perguntei do que ela sorria, ela respondeu: “Quem sai aos seus, não degenera...Tão parecida com seu...” e parou de falar. Eu ainda questionei, inisisti, mas ela desconversou e deu uma resposta evasiva. Como eu não queria que ela pensasse que eu estava cobrando preferi deixar o assunto pra lá.

 

— É, talvez ela soubesse, ou não.

 

— Bom, o fato é que, hoje em dia, eu não me importo mais. Talvez o destino um dia nos coloque um na vida do outro, mas mesmo assim talvez a gente não saiba nem quem somos um para o outro.

 

— Verdade!

 

 

 

No fim de semana Renato e Sandra foram à praia. Quando ela terminou de arrumar as coisas na areia e tirou sua canga, os olhos de Renato percorreram todo seu corpo e ele ficou mais encantado ainda. Ela era uma falsa magra, com tudo proporcional. A visão de uma sereia, como ele pensou.

 

Renato prometera ensinar Sandra a nadar, mas na verdade o que ele queria era poder tocar nela, poder sentir sua pele sempre que pudesse.

 

Ele nunca havia agido assim com outra mulher. Sempre que queria alguém, ia atrás, investia, mas com ela era diferente. Ela não era apenas uma conquista, ele sentia que era mais. Ele queria com Sandra romance, carinho, companheirismo. Um relacionamento, sério e duradouro, e por isso não iria agir como agia com as outras.

 

Eles se divertiam, quando começaram uma guerrinha de água. Eles gargalhavam e corriam um atrás do outro, empurrando a água contra seus rostos, quando Sandra tropeçou nos próprios pés e caiu, a água da praia encobrindo seu rosto.

 

Renato correu para acudi-la e quando ele a suspendeu pelos braços, encostando seus corpos semi nús eles não puderam mais resistir a atração que vinham sentindo há muito tempo.

 

Renato colocou uma das mãos por baixo dos cabelos de Sandra       e ela se entregou ao momento. Ele aproximou sua boca a dela lentamente e quando seus lábios se tocaram o beijo entre eles foi explosivo e apaixonado. Os dois sonharam com esse momento muitas vezes e estava sendo muito melhor que eles sequer poderiam imaginar.

 

Quando suas bocas se afastaram eles sorriram sem se desgrudar.

 

— Eu quis fazer isso desde o dia em que nós nos esbarramos no corredor da faculdade. – Renato disse alisando com o polegar os lábios dela – Esperei tanto tempo...

 

— Então não vamos esperar mais...

 

 

         Ela o beijou novamente.

Capitulo 2

 

 

Quando Sandra chegou segunda feira para trabalhar, trazia um sorriso feliz no rosto. Fernando percebeu e sorriu para ela.

 

— Teve um bom final de semana? — Ele perguntou quando os dois haviam concluído a reunião sobre a agenda da semana.

 

— Muito bom, obrigada. — Sandra não pode evitar que a alegria que sentia transparecesse. Havia sido lindo. Verdadeiramente perfeito. Quando voltaram da praia, Renato a convidara para saírem a noite, e eles foram para uma boate, onde dançaram, beberam e namoram.

 

Renato era encantador, e Sandra se sentia totalmente envolvida... Ele aquecia sua alma, alegrava seu coração...

 

Ela voltou para sua mesa e mergulhou no trabalho. Não sabia dizer quanto tempo havia se passado quando senti seu celular vibrar. Sorriu maravilhada quando viu quem era.

 

 

 

“Bom dia! Sinto saudades. Saudades ridiculamente grandes, se levarmos em conta que passamos todo o final de semana juntos. R”.

 

Sandra rapidamente redigiu uma resposta:

 

 

 

“Bom dia! Sim, passamos o final de semana juntos. E o melhor que já tive. Obrigada por isso. Também sinto saudades. S.”.

 

 

 

“Queria que a noite chegasse logo. A faculdade ficou incrivelmente interessante de uns dias para cá. Não agradeça, também foi o melhor que tive. Até mais. R.”.

 

 

 

Deixou o telefone sobre a mesa, e voltou ao trabalho, mas agora estava sendo assaltada por flashes de pensamentos sobre Renato, lembrança do final de semana divertido que tiveram, e dos beijos que trocaram. Ele era divertido, encantador, inteligente, bem humorado, sexy... A lista era interminável, e Sandra se sentia ligada a ele quase de uma forma espiritual.

 

Renato a fazia sentir-se trêmula. Era como se ela fosse novamente uma adolescente e estivesse com seu primeiro namorado, toda emocionada e apaixonada. Na inocência de seus 15 anos, ele era seu grande amor, o eterno amado, o único.

 

Não fora o único, claro. Mas ela estava com essa mesma sensação agora. A sensação de que encontrara algo precioso e profundo.

 

 Algo importante.

 

 

 

 

 

Quando Sandra desceu do seu apartamento a noite, surpreendeu-se  ao encontrar Renato em frente ao seu prédio, sentado em uma moto. Veio em sua direção sorrindo quando a viu.

 

— Oi. — Ele a cumprimentou, beijando-a.

 

— Oi. O que faz aqui? — Não conseguiu não perguntar. Eles não haviam combinado nada, e geralmente ele a esperava no portão da faculdade.

 

— Vim busca-la. — Renato se afastou para encara-la, estreitando os olhos muito azuis. — Algum problema? Não devia ter vindo? É que depois do final de semana pensei...

 

— Não seja bobo! — Ela disse sorrindo, e o beijou novamente. — Só fiquei surpresa. — Afastou-se para olhar para ele, a cabeça curvada. — Mas estou curiosa sobre o que você pensou depois do final de semana.

 

Renato sorriu para ela, acariciando a pele macia do rosto bonito, sentindo-se estranhamente tímido.

 

Era um homem, pelo amor de Deus!

 

Mas isso era o que Sandra fazia com ele. Ela fazia-o sentir-se como nunca se sentira antes. Era uma brisa fresca, um tranquilo e calmante canto de pássaros em uma manhã ensolarada. Era linda e espirituosa, amigável e encantadora. Era deliciosamente diferente de todas que Renato já conhecera, e despertava nele sentimentos e emoções que nunca sequer cogitara antes que existissem e que fossem tão poderosos, tão fortes.

 

Ele fora dominado por esse sentimento desde o primeiro dia. Desde então, não pudera se libertar. Estava preso ao seu sorriso, á cada palavra dela, á cada pensamento sobre ela.

 

— O que eu pensei sobre o final de semana? — Ele descansou as mãos nos ombros dela, seus olhos nos de Sandra. — Bem, eu pensei que finalmente estava se realizando algo com que sonhei desde que a conheci... Que agora estávamos juntos... Que eu poderia fazer isso. — Deslizou as mãos pelos braços dela, sentindo sua pele macia, entrelaçando seus dedos. — E isso. — Aproximou seu rosto do dela, aspirando seu perfume, acariciando o rosto dela com o seu. Sentiu a respiração dela mudar, e a beijou delicadamente, seus lábios se demorando sobre sua testa, sentindo sua pele morna. Afastou-se então para olha-la. — Então, foi isso que pensei.

 

Sandra sorriu, as faces coradas, os olhos brilhantes. Jogou os braços no pescoço de Renato, e sem se importar com o lugar onde estavam, beijou-o apaixonadamente.

 

— Que bom que você pensou todas essas coisas... — Ela disse, e enquanto ela mergulhava nos brilhantes e sinceros olhos azuis, sentiu-se jovem... Inesperadamente jovem e sedutora, ali, nos braços dele, afastada do mundo, ignorando as pessoas que passavam pela calçada e os olhares curiosos.

 

Era como se eles estivessem em uma bolha particular.

 

 

 

Eram quase dez horas quando eles chegaram da faculdade. Enquanto Sandra arrumava a mesa com os sanduiches e refrigerantes quehaviam comprado no caminho para o apartamento dela, Renato caminhava pela sala, observando a decoração simples e totalmente acolhedora do ambiente claro e despojado.

 

As paredes eram claras, o sofá cinza, com almofadas coloridas. Em uma parede havia uma estante suspensa, com vários livros, cds e porta retratos. 

 

Aproximou-se para olhar melhor as fotografias. Haviam varias de diversas pessoas, mas predominavam fotos de Sandra em diversas etapas de sua vida, com uma bonita mulher de cabelos e olhos castanhos.

 

— Está pronto. — Sandra anunciou, aproximando-se dele e passando o braço em sua cintura.

 

Ele sorriu para ela e alcançou um porta retrato onde Sandra aparecia de biquíni vermelho, os cabelos castanhos muito claros com reflexos dourados sobre os ombros, os olhos azuis como a agua da piscina ao fundo, sorrindo para a câmera. Ao seu lado, abraçada a ela, estava uma mulher de em torno de trinta e seis anos, de cabelos castanhos escuros, usando um maio preto.

 

— Pensei que fossem naturais. — Ele comentou, cheirando os cabelos dela em uma caricia.

 

— Tão típico! — Ela riu. — Eu tinha 18 anos nessa foto. Alguns meses depois desse dia eu pintei e desde então... Sou loira!

 

— Eu gosto de loiras! — Ele disse, e a beijou. — Sua mãe? — Perguntou, enquanto a enlaçava pelos ombros.

 

— Sim. — Ela respondeu tristemente, acariciando a face da mulher.  — Morreu há um ano. Sinto tantas saudades dela... — Sua voz falhou. Seria sempre assim. Beatriz Fantini sempre faria falta. Sandra tinha doces lembranças de sua infância, e sua mãe fora a melhor que poderia existir. Ainda se sentia zangada por tê-la perdido tão cedo, Bety tinha apenas  quarenta anos.

 

— Hei! —  Renato a puxou para si, levantando o queixo dela para que pudesse olhar em seus olhos. Beijou docemente seus lábios e faces. — Não fiquei triste. Você aproveitou cada dia que tiveram juntas?

 

— Muito. Ela foi uma mãe maravilhosa. A melhor.

 

— É isso que importa, linda. Um dia todos nós vamos morrer. O que importa é como usamos os dias em que estivemos aqui. No final o que realmente importa é se fizemos as pessoas a nossa volta felizes.

 

Sandra balançou afirmativamente cabeça, e esboçou um sorriso trêmulo. Olharam novamente para as fotos, e ela contou a Renato algumas ocasiões que estavam eternizadas nas fotografias.

 

— Vocês são tão diferentes! — Ele comentou, enquanto jantavam.

 

— Muito. Na verdade, como ela era muito nova quando nasci, parecíamos mais primas ou algo do tipo, não mãe e filha. Acho que me pareço com meu pai... Não sei! — Deu de ombros, com descaso.

 

— Não conhece seu pai? — Renato perguntou suavemente, sem saber exatamente em que terreno estava pisando.

 

— Não, não conheço. — Sandra levantou os olhos para ele, e vendo seu desconforto sorriu. — Não se preocupe. Isso não é um assunto estranho. É que não tenho ideia de quem seja. Nasci de inseminação artificial, minha mãe nunca falou nada esclarecedor sobre ele. Ponto. Acabou a história. Mas como sou totalmente diferente dela fisicamente, suponho que seja parecida com ele.

 

Renato balançou a cabeça silenciosamente. Mas aquela informação o incomodou. Que tipo de homem andava por ai, doando sua semente sem se importar com o que era feito dela? Para ele aquilo era a mesma coisa de abandonar um filho a própria sorte.

 

 

 

E os dias seguiram uma deliciosa e romântica rotina. Durante o dia eles se comunicavam por e-mail e sms, e Renato sempre ligava na hora do almoço para ouvir a voz de Sandra. Ele a buscava a noite para irem juntos para a faculdade, e quando saiam eles compravam algo no caminho para o apartamento dela, onde eles lanchavam e depois se deitavam no sofá, trocando beijos e abraços, ou faziam algum trabalho juntos, ou estudavam. Em um final de semana eles foram ao cinema e depois a uma cantina italiana, onde se divertiram observando o chefe italiano dançando uma musica típica de sua cidade, enquanto preparava os pratos.

 

Aquela semana foi de prova na faculdade, e quando o sábado chegou, um grupo se reuniu para relaxar e se divertir em uma boate badalada.

 

Era um local grande, espelhado e com luzes coloridas. O som alto, os corpos se movendo em animada sincronia.

 

Renato a puxou para a pista de dança, enquanto uma musica animada enchia o ambiente. A forma como o corpo deles se movia era intensa e sensual.

 

Depois de algum tempo eles se sentaram, e enquanto bebiam e tentavam recuperar a respiração acelerada, um grupo de pessoas se aproximou da mesa.

 

Eram quatro homens e duas mulheres, amigos e conhecidos de Renato.

 

Antes que ele pudesse apresenta-la, um dos rapazes se adiantou e cumprimentou Renato, os olhos fixos em Sandra.

 

— Não vai nos apresentar a moça, Renato? — Ele perguntou, sorrindo para ela.

 

— Claro! — Propositalmente Renato ignorou o tom do amigo, e começou as apresentações, apontando enquanto falava os nomes. — Esses são Lucas, Jonas, Saulo, Wesley, Adriana e Paula. Esta é Sandra...

 

— Sandra! — Lucas o interrompeu, pegando as mãos dela entre as suas. — Conheço Renato há bastante tempo, e como nunca a conheci, Sandra?

 

Sandra olhou de Lucas para Renato, confusa. Mas antes que ela pudesse perguntar o que ele queria dizer, Lucas continuou.

 

— Você nunca havia me dito que tinha uma moça tão bonita na família, Renato! Pensei que fossemos amigos, cara! — Lucas disse, rindo.

 

— Como assim na família? Acho que você já bebeu muito, Lucas. — Renato disse, em tom cortante. — Sandra não é minha parenta, é minha namorada.

 

Lucas olhou rapidamente para Renato, e como se repentinamente o contato com Sandra o tivesse queimado ele soltou sua mão enquanto se afastava.

 

— Como não? Vocês são muito parecidos! Os olhos...

 

— Não somos, Lucas. Somos namorados, e é bom que se lembre disso. — Renato nunca havia se sentido tão possessivo sobre uma garota. Na verdade, precisara se controlar para não tomar alguma atitude precipitada quando Lucas segurara a mão de Sandra.

 

— Tudo bem, tudo bem! Desculpe, cara! — Lucas disse, levantando as mãos no alto em sinal de redenção. Apontou para uma mesa logo adiante. — Estaremos sentados ali. Não quer ficar com a gente?

 

— Não, obrigada, estamos com umas pessoas da faculdade. — Renato disse, seu tom ainda zangado. Mas Lucas era seu amigo, e ele completou em um tom mais brando. — Mas obrigada.

 

Enquanto eles se afastavam em direção á mesa, Paula virou-se e encarou Sandra, e depois olhou rapidamente para Renato, enquanto seguia os amigos.

 

Eles ficaram em silencio quando se viram novamente á sós. Repentinamente, Sandra deu uma risadinha, e Renato a olhou, curioso.

 

— Por que você está rindo?

 

— Do seu amigo. — Riu mais alto agora ao se lembrar novamente, e Renato a acompanhou. — Ele é engraçado. Parentes! Vocês são muito parecidos! — Ela disse imitando Lucas, e eles riram, descontraídos e divertidos. — Ele tem algum problema de visão?

 

— Acho que sim. — Renato concordou, mas já não estava rindo. Olhou para ela, fazendo careta. — Ou talvez não. Ele parece ter enxergado você muito bem.

 

— Ahhh, sério? — Ela riu, e beijou a face dele. — Você está com ciúme? Que fofo! — Mesmo sem querer, ela sentiu seu coração se aquecer, enquanto implicava com ele.

 

— Não é engraçado, Sandra. — Ele disse, sério, mas então sorriu em seguida. — Mas teve uma parte legal.

 

— Qual? A que você queria socar ele?

 

— Não. Essa teria sido legal se eu o tivesse socado. — Pegou uma mecha do cabelo loiro e o colocou atrás da orelha dela. — Foi quando eu disse que é minha namorada. — Beijou suavemente o canto da boca macia. — É um lindo som. Eu queria dizer isso para sempre.

 

— Você pode. — Sandra disse calmamente, enquanto Renato tocava seus lábios e ela se sentia aquecer sob seu toque e seu olhar. — Só você pode.

 

— Só eu. — Ele confirmou, aproximando seu rosto do dela. — Minha namorada.

 

— Sua.

 

— Minha linda namorada. — Ele então a beijou apaixonadamente, a língua percorrendo sua boca faminta.

 

Sandra não sabia dizer se era a música alta e de toque violento, se as luzes, ou se era apenas Renato. Mas Todas as suas terminações nervosas estavam sensíveis, alertas. Quando Renato tocou sua cintura e a apertou, ela gemeu baixinho, e ele aprofundou o beijo, levando a outra mão até sua nuca, mantendo sua cabeça presa, e seu polegar acariciava seu couro cabeludo, enviando descargas elétricas por todo seu corpo.

 

— Minha linda, doce e tentadora namorada. — Ele voltou a afirmar quando afastou seus lábios, e olhou para ela, os olhos azuis brilhantes e apaixonados.

 

— Sua. — Sandra confirmou novamente, sorrindo para ele, sentindo-se feliz e amada.

 

Quando ela se moveu na cadeira, seu olhar caiu sobre a mesa dos amigos de Renato, onde a moça ruiva, Paula, os olhava insistentemente. Ela não parecia satisfeita. Na verdade, parecia incomodada e infeliz, enquanto os encarava insistentemente.

 

Sandra fugiu do olhar dela, e puxou Renato de volta para a pista de dança.

 

 

 

 

 

Nada nunca fora tão bom quanto estarem juntos, ou tão triste quanto se despedirem. Todo o tempo que estavam juntos ainda era pouco para Renato, e quando tinha que ir embora de sua casa ele se sentia estranhamente despojado.

 

Ele estava totalmente apaixonado por ela. Não era só uma avassaladora paixão juvenil, embora tenha acontecido rápido. As almas deles estavam ligadas. Eles tinham nascido um para o outro, e era um sentimento tão forte que não podia ser mascarado.

 

Renato sabia que Sandra sentia o mesmo. Eles tinham uma conexão, uma forma de se movimentarem ao redor um do outro... Eram como duas partes de um todo.

 

Renato sentiu aquela mesma onda quente e opressiva quando a viu sair da empresa onde trabalhava acompanhada de um homem jovem, alto e de terno. Eles riam, animados e entrosados, e o homem tocou o cotovelo de Sandra enquanto eles atravessavam a rua.

 

— Sandra. — Ele chamou, se aproximando dos dois. Ela virou-se para ele, ainda sorrindo. Os olhos brilharam em surpresa, e caminhou ate ele.

 

— Oi! Que surpresa! — Ela disse, e o beijou rapidamente na face. — Renato, este é o Fernando, meu chefe. — Ela disse, corada.

 

Renato deu um passo à frente, apertando a mão do outro homem. Eles se olharam, e naquele rápido instante ficou claro que aquele homem tinha um interesse além do profissional por Sandra.

 

 Sua Sandra.

 

— Fico feliz em conhecê-lo, Fernando. Sandra fala muito do quanto gosta do trabalho.

 

— Ela é uma ótima profissional. — Fernando respondeu, olhando para Sandra, sorrindo. — Já é meu braço direito, e não consigo me imaginar sem ela.

 

— Oh, talvez esse seja o momento de pedir um aumento! — Sandra disse de forma dramática, colocando a mão no peito, e eles riram novamente com companheirismo.

 

— Vim busca-la para almoçarmos, Sandra. — Renato disse, um pouco mais brusco do que pretendera.

 

— Oh! — Sandra disse, e seus olhos foram de Renato para Fernando e novamente para Renato. — Nós estávamos indo almoçar. — Ela disse, sentindo estranhamente tímida e nervosa. — Eu não sabia...

 

— Tudo bem! — Ele cortou, odiando a si mesmo por fazê-la sentir-se constrangida.

 

— Por que não vem junto? — Fernando disse, surpreendendo-o e á Sandra, que o olhou rapidamente, um lento e agradecido sorriso surgindo em seus lábios. — Nós não vamos tratar de nenhum assunto de trabalho, então não vejo problema.

 

— Claro! — Sandra exclamou, e se virou para Renato. — Venha conosco.

 

Renato olhou para os dois, e embora não fosse exatamente o que tinha em mente ao decidir fazer uma surpresa á Sandra, ele concordou.

 

Enquanto os três caminhavam rumo ao restaurante que ficava próximo dali, Sandra entre os dois homens conversando animadamente com Fernando sobre algum ultimo acontecimento do escritório, Renato se sentia deslocado e desanimado.

 

 

O ciúme era um horrível sentimento que o estava tomando por inteiro, e ele se sentia incapaz de fazer algo sobre isso.

Capitulo 3

 

Depois que Renato deixou Sandra na porta do trabalho e ela sumiu de suas vistas junto com Fernando, aquele sentimento ruim voltou a incomodar seus pensamentos. Ele não queria sentir aquilo, mas também não sabia como controlar.

                Chegou em casa um pouco aborrecido. O suficiente para que sua mãe percebesse.

— O que há de errado Renato?

— Nada! – ele respondeu mecanicamente ainda pensando nos olhares que Fernando dirigia à Sandra.

— Ora meu filho, te conheço, sei que tem algo errado!

— É... Uma garota.

— Mais uma garota, você quer dizer...

— Não mãe, dessa vez é diferente. – ele finalmente encarou a mãe que olhava amorosamente para ele.  – Eu não sei, mas não é diversão. Com ela eu quero... Coisa séria.

— Com quem você quer coisa séria? – o pai de Renato, Sandro, acabava de entrar na sala, sem que ninguém percebesse, enquanto ele falava.

— Uma garota... – sua mãe disse, sem dar importância. Conhecia o filho o suficiente pra saber que ele gostava de variar, e talvez essa fosse apenas novidade, e por isso essa empolgação toda.

— Não é uma garota qualquer. – Renato disse um tanto ríspido – É A Garota!

— Ora Silvia, talvez devêssemos dar um pouco de credito ao nosso filho. Ele pode estar finalmente apaixonado.

— Se for isso mesmo, eu adoraria conhecê-la.

— Pois então eu a trarei no sábado, se estiver tudo bem pra vocês. – Silvia e Sandro se entreolharam e depois olharam para Renato e quando perceberam que ele estava falando sério, sua mãe deu um sorriso.

— Então a traga no sábado, para o almoço. Descubra o que ela gosta de comer e eu farei. – ela se aproximou de Renato e deu um beijo no rosto do filho – Estou feliz por você meu amor.

                Renato sorriu alegre e foi pro seu quarto. Esperou ansiosamente até a hora da faculdade, queria abraçar e beijar Sandra. Queria ter ela em seus braços e fazer esse sentimento ruim passar.

                Quando se encontram na porta do prédio dela e eles foram abraçados até a faculdade, na moto, Renato sentiu seu peito se aquecer. Era ridículo como ele se sentia, mas ele parecia um adolescente. Nunca outra mulher tinha despertado nele esse sentimento, mas ele estava gostando dessa nova sensação.

                Assim que desceram na porta da faculdade Sandra percebeu que ele estava diferente, um tanto nervoso e o encarou enquanto ele estacionava a moto e tirava o capacete. Ela caminhou até ele e o abraçou, e claro, Renato retribuiu o abraço soltando um suspiro, de um ar que ele nem sabia que estava preso.

                Durante todo tempo que ficaram na faculdade Sandra continuou percebendo que ele tentava agir normalmente, mas estava apreensivo. Enquanto caminhavam para pegar a moto, Renato seguiu calado.

— Está tudo bem?

— Sim. – ele respondeu.

— Tem certeza? Você está... Não sei, apreensivo.

— Você já me conhece tão bem. – ele sorriu e acariciou o rosto dela – É só que eu... Eu quero te pedir uma coisa.

— Claro querido, qualquer coisa.

— Venha almoçar na minha casa no sábado.

— Almoço? Com a sua família?

— Sim!

— Mas Renato, ainda está cedo, estamos juntos há algumas semanas apenas. 

— Isso não importa, olha – ele a abraçou – Se você sente por mim, o mesmo que eu sinto por você, sabe que o que temos é grande o suficiente, mesmo que tenha pouco tempo e não importa se estamos juntos há duas semanas, ou dois anos... O sentimento será o mesmo.

— Sim, claro que sinto o mesmo! – ela suspirou. Não é que não quisesse conhecer a família dele, mas não sabia como eles reagiriam a ela, afinal Renato nunca tinha levado uma namorada em casa – E o que os seus pais acham disso?

— Minha mãe está super ansiosa pra te conhecer, apesar de não achar que seja sério e o meu pai... Bem, ele acha que realmente fui “fisgado”.

— Tudo bem, eu vou.

— Obrigado! – ele disse e a beijou. Quando eles se encararam Sandra percebeu que o semblante dele relaxou. Ela sorriu internamente.

                Nos dias que se seguiram, quem ficou apreensiva foi Sandra. Ela não fazia a menor ideia do que esperar, de como se comportar. Não sabia nada dos pais de Renato, e ela até tentou obter algumas informações, mas tudo que Renato dizia era que ela não precisava se preocupar com isso, pois assim como ele os pais dele a amariam.

                Na sexta feira, Sandra estava dispersa no trabalho, e Fernando percebeu. Quando no almoço, ela contou o que a incomodava ele deu uma risada.

— Do que você está rindo? Isso é sério.

— Desculpe! – ele tentou parar de sorrir, mas não conseguiu – Sandra, é sério! Quem não gostaria de você? Relaxa, apenas seja você mesma e tenho certeza que todos irão te amar. Nisso Renato está totalmente certo.

                Ela o encarou, mas não conseguiu se tranquilizar, na verdade ela achou que só conseguiria depois de conhecer a família dele.

                Ela não conseguiu relaxar, dormiu mal naquela noite e quando o sábado amanheceu Sandra sentiu o peso de uma noite mal dormida. Levantou-se e tomou um banho demorado e relaxante. Colocou um vestido soltinho, uma sapatilha e não se esqueceu de por um short por baixo, uma vez que Renato viria buscá-la de moto.

                Quando ele parou em frente ao prédio de Sandra ela já o esperava. Parecia ainda mais linda naquele dia, com os raios solarem afagavam sua pele. Ela usava um vestido branco com flores rosa bebê, uma sapatilha branca e os cabelos loiros soltos. Sandra sorriu para Renato quando ele interrogativamente olhava para seu vestido.

— Não se preocupe – ela levantou um pouco a barra da roupa mostrando um short de lycra branco – eu me preveni.

— Minha menina esperta. – ele entregou o capacete extra a ela – Suba.

                Quando Sandra desceu no portão de Renato a casa não era exatamente o que ela esperava. Era uma casa se classe média, simples. O portão de alumínio, e o muro coberto com pedras marrons. Quando entraram toda fachada da casa era coberta por piso que imitava pedra. Ao lado da casa um carro prata estava estacionado e nos fundos, havia uma piscina de fibra no lado direito e no esquerdo uma churrasqueira e uma mesa de vidro que comportavam seis pessoas, já estava arrumada para o almoço.

— Chegamos! – Renato anunciou enquanto puxava Sandra pela mão até a entrada da cozinha.

                Os pais de Renato vieram com sorrisos educados e simpáticos no rosto. Eles eram, assim como a casa, diferente do que Sandra imaginara. O pai dele era alto e magro, cabelos grisalhos e olhos azuis como os de Renato, usava uma bermuda jeans e uma camisa de manga curta. A mãe era linda, parecia uma atriz de TV. Corpo esbelto, cabelos loiros compridos e olhos incrivelmente azuis. Ela usava um vestido um pouco abaixo do joelho e um avental com desenhos de comida. Ela usava uma maquiagem leve. Apesar da cor dos olhos, definitivamente Renato havia puxado o pai. Ele praticamente era uma versão mais velha do filho.

— Mãe, pai... Esta é Sandra, minha namorada. – ele virou-se para a namorada – Querida, esses são Sandro e Silvia, meus pais.

— É um imenso prazer conhecê-los Sr e Sra. Prado.

— Ah, por favor, querida, nos chame pelo nome. – Silvia disse dando dois beijos em cada lado da face de Sandra.

— Renato não tinha me dito que era minha xará. – Sandro apertou a mão dela sorrindo.

— Ele também não tinha me dito. – Sandra respondeu sorrindo.

                A tarde correu muito mais tranquila do que Sandra esperava. Os pais de Renato foram imensamente acolhedores, e apesar de algumas vezes, Sandra perceber que Silvia a olhava com certa curiosidade, ela achou normal para uma mãe, que conhecia a primeira namorada séria do filho.

                No final da noite, Renato deixou Sandra em casa, os dois felizes que havia corrido tudo bem, e como ela estava feliz de ter aceitado o convite. Quando ele retornou pra casa seu pai o esperava sentado assistindo uma partida de futebol.

— Quem está ganhando? – Renato perguntou sentando-se ao lado do pai.

— Não faço ideia, na verdade eu não estava prestando atenção no jogo. – ele encarou Renato – eu estava esperando você. Eu e sua mãe concordamos que nós dois devemos ter uma conversa de homem para homem.

— Se você vai falar a respeito da Sandra é melhor nem começar...

— Ei menino, calma. Não precisa ficar na defensiva. – Sandro sorriu – Eu e sua mãe gostamos da menina...

— Ótimo, porque ela também gostou de vocês, mas mesmo que vocês não tivessem gostado...

— Entretanto, – Sandro o interrompeu – nós achamos que você está indo muito rápido e eu e sua mãe temos medo que você se machuque. Você mal a conhece.

— Eu conheço o suficiente, conheço o coração dela.

— Esse é o problema meu filho. Você está tão apaixonado, que você mal consegue perceber o quão repentino isso é. – Renato fez uma carranca e Sandro sorriu – Não precisa ficar aborrecido filho, mas você a conheceu agora, sabe quem são os pais dela? Entenda, eu não estou dizendo que ela é uma moça ruim, pelo contrário, eu e sua mãe gostamos realmente dela. Mas também é inevitável que nos preocupemos com você.

— Pai, ela é de Manaus, assim como você. De família simples, sua mãe faleceu há um ano, e depois disso ela veio pro Rio. Ela sempre quis sair de lá, mas não o fez antes por causa da mãe. E o pai ela não conhece. – Renato sorriu para o pai e colocou a mão em seu ombro – Eu a amo, tenho certeza e se ela tem algo no passado que seja ruim ou errado, eu não me importo. Eu só quero saber quem ela é agora, e agora ela é uma pessoa maravilhosa que conquistou meu coração. E um dia, lá na frente, vamos nos casar.

Sandro sorriu ao ouvir a declaração do filho.

— Tudo bem meu filho, só tome cuidado porque o amor é bom, mas também pode causar muita dor.

— Ela não faria nada pra me magoar.

— Então ela é de Manaus? – Sandro sorriu saudosamente – Eu vivi tantos anos lá, mas depois que vim pro Rio e conheci sua mãe, nunca mais voltei.

— Era apaixonado por alguém de lá?

— Não! - Sandro deu uma risada – Tive algumas namoradinhas, mas saudades eu tenho mesmo é de uma amiga. – Renato o olhou interrogativamente – Não faça essa cara. Amiga mesmo, apenas amiga! Mas nós perdemos contato depois que eu vim pra cá. Gostaria de saber como ela está.

— Quem sabe um dia não vamos todos a Manaus e aí a gente procura por essa sua amiga. – ele se levantou e deu um beijo na testa do pai – Ai você e Sandra podem matar saudades da terra natal.

 

                Depois da conversa com o pai, Renato se sentiu aliviado, precisava deixar claro para os pais que ele amava Sandra e ele sabia que ela o amava também.

                Os dias foram passando e eles se tornavam cada vez mais inseparáveis. Os amigos dele já haviam se tornado amigos dela, pois percebiam que o relacionamento dos dois era mais que sério.

                Quando completaram um mês de namoro, Renato mandou par ela, no trabalho, um buque de rosas vermelhas e um anel com vários corações formando o elo. Sandra deu para ele um porta retrato de vidro, com uma foto que eles haviam tirado juntos na primeira vez que foram a praia, quando ele apareceu de surpresa na hora do almoço.

                A noite quando ele foi busca-la ele não a levou para faculdade. Pegou um caminho totalmente diferente.

— Para onde estamos indo?

— Surpresa! – ele respondeu acariciando a mão dela que estava envolta em sua cintura.

                Ele a levou até o bairro do Pechincha, no Castelo dos Vinhos, uma adega restaurante em forma rústica. Era um lugar bonito e aconchegante. Eles tomaram algumas taças de vinho e comeram petiscos, conversaram e se divertiram a noite toda.

                Depois Renato e Sandra foram até o apartamento dela, e ela o convidou a subir para terminar a garrafa de vinho que haviam comprado. Ele sorriu a claro, aceitou.

                Eles estavam sentados no sofá, terminando já a terceira taça quando Sandra pediu licença e foi até o quarto. Demorou menos que dez minutos e quando ela voltou, usava um vestidinho curtíssimo, estava de banho tomado e os cabelos presos em um rabo de cavalo. Quando Renato a viu seus olhos brilharam e ele sorriu para ela de um jeito que ela nunca tinha visto.

                Sandra sentou-se ao lado de Renato, mas ele a puxou para o colo dele e a beijou intensamente. Sua mão presa na nuca dela e com a outra ele alisava todo corpo dela. Sandra enfiou os dedos pelos cabelos dele, dando um leve gemido quando ele carinhosamente acariciou um seio dela.

                O beijo deles tornou-se mais intenso e antes que pudessem perceber, estavam no quarto. Ele suspendeu o vestido de Sandra o tirando por cima, deixando-a apenas de calcinha. Depois Renato se afastou e ficou admirando-a. Ele tirou os sapatos, depois puxou a carteira do bolso e de dentro da carteira tirou um pacote de camisinha. Voltou para perto de Sandra fazendo seus corpos se tocarem e imediatamente responderem um ao outro.


                A noite demorou a terminar. Quando mais eles se amavam, mais eles queriam se amar. Não se cansavam nunca do toque um do outro, dos beijos, do amor avassalador que uniam um ao outro de forma tão intensa que ninguém poderia separá-los. 

Capitulo 4


Os dias que se seguiram foram divertidos e de descobertas.

A família de Renato tratou Sandra como uma filha, e ela viu-se adorando a experiência de fazer parte de uma família maior do que somente duas pessoas.

Eles faziam programas juntos, iam a lugares juntos... Nesse um mês desde que os conhecia, ela havia frequentado cada vez mais a casa deles; Sandra admirava e respeitava sobremaneira os pais de Renato. Silvia era uma linda mulher, esposa e mãe dedicada. Era uma mulher gentil e acolhedora, e Sandra de alguma forma pensava em sua mãe quando estava com ela. Sandro era um homem divertido e sempre bem humorado. A relação dele com Renato e com a esposa faziam Sandra admira-lo e de alguma forma sentir-se saudosa de algo que nunca tivera: um pai.

Enquanto Sandra aplicava batom nos lábios, pensava sobre o programa daquela noite. Cinema e pizza com os pais do Renato. Nunca pensara que poderia sentir-se tão à vontade com os pais de um garoto, mas a verdade é que se sentia em família com eles.

Ouviu a campainha tocar, e calçou as sapatilhas baixas que combinavam com a calça jeans uma blusa de mangas três quartos preta.

Abriu a porta para encontrar Renato, lindo e perfeito, vestindo  jeans, sapatênis e camisa gola polo, listrada horizontalmente de branco e preto. Com dois passos ele estava dentro do apartamento, abraçando-a forte, beijando-a apaixonadamente.

— Estava morrendo de saudade, amor. — Renato disse, se afastando um pouco dela.

— Eu também... — Sandra disse com voz rouca, colocando a mão por baixo de sua camiseta, acariciando o peito quente. Sentiu a respiração dele acelerar enquanto ela o acariciava, os dedos correndo pelo seu ventre forte e musculosos. Sentiu a ereção dele pressiona-la, e Renato respirou forte entre os lábios e a puxou novamente para um beijo, devorando-a, a língua faminta guerreando contra a dela.

Sandra sentiu-se consumir em tudo o que ele despertava nela. Tantas sensações. Tantos tremores.

Era prazeroso e único estar com ele.

— Queria não ter que sair agora... — Ela lamentou, quando eles interromperam o beijo para respirar.

— Ah, eu também... — Ele concordou, mordiscando o pescoço e o lóbulo da orelha macia. Renato passou a língua pelo pescoço, sugando sensualmente, e foi a vez de Sandra puxa-lo para um beijo faminto, desesperado.

— Mas nós ainda temos mais tarde... — Renato murmurou a promessa, sensualmente próximo da orelha dela.

— E eu estarei esperando ansiosa, amor. — Ela tocou os lábios dele com as pontas dos dedos, em uma delicada carícia. — Muito ansiosa.

 

Eles ainda riam quando saiam do cinema. Haviam assistido a uma comédia, e Sandra havia rido até ás lagrimas.

Os quatro conversavam animadamente, sentados á mesa da pizzaria, e parecia que se conheciam desde sempre.

— Que feliz coincidência!

Sandra, que estava em uma conversa animada com Silvia, voltou ao som da voz.

Paula estava parada próxima à mesa, junto com um casal mais velho. Ela usava um vestido justo, acima dos joelhos, vermelho. Estava linda, com os cabelos ruivos em um rabo de cavalo alto. Sandro levantou-se para cumprimenta-los e os apresentou á Sandra. Eles eram Luiza e Carlos Lopes, e a filha Paula, que ela já conhecia.

Aceitando o convite de Sandro, eles se sentaram com eles. A conversa continuou animada, os Lopes eram amigos de longa data da família de Renato.

Mas Sandra não estava mais se sentindo á vontade. Paula estava sentada á sua frente, e embora ela tentasse disfarçar, seus olhos sempre recaíam sobre Renato.

Não era um olhar desrespeitoso, contudo... Era um olhar tão apaixonado e triste que Sandra quase se sentiu fora de lugar.

Ela se mexeu incomodada na cadeira, e Renato, que estava envolvido em uma conversa com Carlos, virou-se para ela, sorrindo. A mão que segurava a sua apertou gentilmente, o dedo acariciando sua pele. Ele beijou delicadamente sua face, e virou-se, retomando o assunto.

— Lucas tinha razão. — Paula murmurou, olhando para Sandra.

— Como? — Sandra perguntou, confusa.

— Lucas tinha razão aquela noite, na boate. Vocês dois são muito parecidos. Na verdade, olhando atentamente, alguém poderia dizer que são irmãos. — Paula esclareceu, e Silvia que estava sentada ao lado dela virou-se para prestar atenção à conversa delas.

— Ah, Sandra é um amor! Nós definitivamente já a consideramos como uma filha, não é verdade, querido? — Silvia comentou sorrindo, e Sandro concordou enfaticamente, balançando a cabeça.

O garçom se aproximou com as pizzas, e depois que todos foram servidos, Sandra ouviu Paula dizer:

— Deve ser maravilhoso.

— O que? — Sandra questionou, bebendo um gole de vinho.

— Encontrar alguém especial. — Paula respondeu, a voz baixa. — Alguém realmente especial, e ter seu sentimento correspondido... Deve ser como encontrar seu pedacinho do céu na terra. — Completou, com tristeza, o olhar deslizando um pouco para Renato para em seguida se concentrar novamente em Sandra.

— Sim, é exatamente isso. Nosso pedacinho do céu na terra. — Sandra concordou, e teve absoluta certeza aquele momento que Paula era apaixonada por Renato.

Paula confirmou lentamente, se concentrando em seguida em seu prato.

 

Algumas horas depois eles estavam na casa de Renato. Silvia disse que havia deixado um delicioso vinho do refrigerador, para que eles encerrassem a noite, e Sandra aceitou o convite.

Estavam todos sentados em uma mesa de ferro no jardim, com suas taças cheias e conversando e rindo.

— Ah, tem algo que tem dias que estou para lhe perguntar, Sandra! — Sandro disse, tomando um gole de seu vinho. — Renato comentou que você é de Manaus.  Eu também sou. Morei la por vários anos.

— Disse ao meu pai que um dia nós vamos lá. Uma volta ás raízes para vocês dois. — Renato completou, beijando seus cabelos.

— Sinto alguma saudade de lá... Mas isto é o que sempre quis! Morar nesta cidade, estudar aqui... Até ganhei um presente em meio a isso tudo. — Ao perceber o que dissera, Sandra ficou corada e olhou para sua taça. Silvia e Sandro sorriram satisfeitos, e Renato a puxou mais para perto de si, passando o braço por seus ombros.

Passado o momento constrangedor Sandro e Sandra engajaram uma conversa sobre sua cidade natal e as pessoas de lá. Descobriram que tinham alguns poucos conhecidos em comum, e Sandro sentiu-se verdadeiramente satisfeito em saber um pouco da vida das pessoas que não via há tantos anos.

— Eu tinha uma grande amiga... Seu nome era Beatriz... Talvez você tenha ouvido falar dela. — Beatriz Fantini é seu nome. — Sandro deu de ombros, bebendo mais um gole do vinho. — Pelo menos era quando solteira, não sei se se casou...

— Beatriz Fantini? — Sandra o encarou, os olhos brilhantes. — Ela era minha mãe...  — Sua voz aumentou de volume, animada. — Você era amigo de mamãe?

Sandro a olhou, e por um momento foi como se não a enxergasse. Ele ficou visivelmente pálido, e uma camada de suor apareceu em sua testa.

— Você é filha de Beatriz Fantini? — Ele perguntou, a voz um pouco mais grossa do que o normal. — Bety é sua mãe?

Sandra balançou a cabeça afirmativamente, a voz presa na garganta. O que havia acontecido? Por que ele estava com aquela aparência de quem estava passando mal? E por que estava tão transtornado?

Sandro a encarou firmemente, os olhos arregalados e confusos.

— Quantos anos você tem, Sandra? — Ele perguntou, incisivo.

— Vinte e três... — Sandra olhou para o namorado, realmente confusa com o comportamento do pai de Renato.

— Querido... — Silvia começou, tocando o braço dele, preocupada.

Mas sem dizer nada, Sandro levantou-se e caminhou rápido em direção a casa. 

Corada e envergonhada, Silvia murmurou uma desculpa antes de seguir o marido.

Renato e Sandra permaneceram mudos e quietos, apenas observando o lugar por onde os pais dele haviam sumido.

Mas minutos se passaram e nenhum deles voltou, e Sandra se mexeu na cadeira para encarar Renato.

— Você sabe o que aconteceu?

— Não faço ideia. — Renato respondeu, uma ruga de preocupação marcando sua testa. — Nunca vi meu pai reagir assim a qualquer coisa...

Em silencio, Sandra balançou a cabeça, concordando. Mais longos minutos se passaram, e ninguém voltou.

— Eu quero ir para casa. — Ela declarou, se levantando.

— Tudo bem, amor.

Eles seguiram de mãos dadas em direção a saída da casa  quando ouviram passos apressados. Silvia descia rapidamente a escada, seguida de perto por Sandro. Ambos estavam com os olhos vermelhos e as faces marcadas por lágrimas.

— O que está acontecendo? Estou ficando preocupado! — Renato questionou, a voz ansiosa.

— Nós... Nós precisamos conversar com vocês. — Sandro disse, soando cansado e triste.

— Sandro, talvez seja melhor conversarmos primeiro com Renato... — Silvia começou, mas o marido a interrompeu, levantando a mão.

— Não! — Ele passou por todos, em direção á sala. — Os dois precisam saber disso logo, Silvia. Não podemos esperar mais nenhum instante.

— Mas o que eu... — Sandra começou, mas Silvia a pegou pela mão, pedindo silenciosamente com o olhar que ela os seguisse ate a sala.

Sandra sentou-se no grande sofá, como Silvia indicou, com Renato a seu lado. Sandro se mantinha de costas, olhando pela a grande janela de vidro, e Silvia aproximou-se dele, tocando seus ombros.

Foram os minutos mais estranhos da vida de Sandra. Parada ali, esperando algo que ela não sabia o que era, nem mesmo sabia se lhe dizia respeito...

— Eu sou seu pai.

Sandra voltou para o presente, e tinha certeza que não ouvira direito.

Era impossível.

Olhou para Renato, que parecia em choque, pálido e gelado ao seu lado.

— Isso é impossível. — Disse, quando conseguiu encontrar sua voz.

Sandro se virou, e a encarou.


— Não é impossível. Eu conhecia sua mãe. Eu sou seu pai.

Final

 

O clima na sala era triste e tenso. Renato e Sandra se entreolhavam e um flashback de tudo que eles haviam vivido até ali passou rapidamente pela cabeça dela e quanto mais se lembrava,  mais ela sentia uma crescente náusea se formar em sua barriga. Sandra se levantou, afastando-se de Renato como se aquilo fosse resolver alguma coisa.

 

— Isso não pode ser verdade, pai. – Renato disse com lágrimas nos olhos – Você pode estar enganado! Não tem como ser verdade!

 

— Mas infelizmente é meu filho! O destino nos pregou uma peça.

 

— E como você pode ter certeza? – Sandra disse encarando o homem com feições tristes e cansadas. Toda vitalidade dele se foram nesses poucos minutos que se passaram. De repente até o nome dela começou a fazer sentido. Lágrimas correram pela sua face e uma dor aguda atingiu seu peito.

 

— Eu era muito amigo da Bety. – Sandro começou a falar – Foram anos e anos de amizade pura e sincera. Crescemos juntos e quando seus avós morreram – ele apontou para Sandra – Minha família deu muito apoio a ela, e eu também.  Com isso éramos como irmãos. Ela  sabia da minha vontade de sair de Manaus, e por mais que eu a convidasse pra vir comigo, ela não compartilhava do mesmo sonho. Alguns meses antes de eu me mudar para o Rio de Janeiro, ela me disse que queria ter um filho, esse era o sonho dela, mas ela queria fazer inseminação artificial, mas estava apreensiva, pois sabia que os doadores de esperma passavam por um minucioso exame, ainda assim, ela ficou questionando sobre a personalidade do doador, essas preocupações normais... – ele suspirou e caminhou até a estante se servindo de uma dose de uísque – Quando eu disse que me mudaria, nós ficamos tristes, pois sabíamos que seria difícil nos vermos novamente, então eu resolvi deixar um presente para ela. Doei esperma para que ela pudesse fazer a inseminação. Ela ficou muito feliz e grata. – ele encarou Silvia, fez um sinal com a cabeça para ela e enquanto a esposa subia as escadas ele continuou. – Assim que eu cheguei ao Rio, me arrependi. Não de ter doado o esperma, mas porque eu nunca conheceria meu filho, era como abandona-lo. – ele olhou rapidamente de Renato para Sandra e ver a tristeza e a culpa nos olhos deles era como se enfiassem uma faca em seu peito – Não critico quem faça, mas geralmente essas pessoas não fazem ideia sequer se seus espermas foram usados. – nesse momento Silvia descia as escadas com uma caixa de sapato nas mãos – Eu comecei a mandar ajuda para Bety... – ele sacudiu a cabeça – Aquela teimosa! Se ela tivesse aceitado, se tivesse mandito contato comigo... Agora... – ele olhou para a filha – Não me leve a mal Sandra, eu também tenho culpa, tanto quanto Bety. Bom, nas primeiras vezes, ela retornou o cheque, com uma carta dizendo que estava bem e que não precisava da ajuda. Depois as cartas dela começaram a ser mais enfáticas. Dizia que a ideia de inseminação era criar o filho sozinha, que não queria minha ajuda. – ele olhou para Renato que tinha a cabeça apoiada nas mãos e olhava fixamente para um ponto qualquer no chão – Quando você nasceu ela devolveu o sétimo cheque, dizendo que você havia nascido e por ironia do destino, se parecia comigo, mas que ela não me diria sequer o sexo, para que eu não me sentisse compelido a ir até Manaus. A essa altura eu já tinha conhecido Silvia e já estava apaixonado, não contei nada para ela, – ele olhou para a esposa se desculpando com o olhar - na verdade não havia contado nada a ela até essa noite. Então na ultima carta de Bety, ela disse que como eu não iria parar de tentar ajudar, ela se mudaria. Que me amava muito, mas que eu não iria estragar os planos dela de criar seu bebe sozinha. – ele caminhou até Silvia, pegou a caixa da mão dela e entregou à Sandra – Aqui estão os cheques devolvidos e as cartas. Eu ainda mandei mais duas, mas o correio devolveu.

 

                Sandra segurava a caixa ainda incrédula. Tudo que ela e Renato haviam vivido... Ela começou a se sentir tonta,  mais enjoada, sua visão começou a escurecer e ela apagou.

 

                Renato rapidamente correu até ela a pegando no colo e deitando-a no sofá. Depois de olhar para ela, o que Lucas disse começou a fazer sentido, realmente eles se pareciam. Num súbito ele se afastou de Sandra e deixou que seu pai e Silvia cuidassem dela.

 

— A culpa é sua! – ele falou enraivecido para o pai – Fizemos coisas... Não sabíamos, mas... – Renato não conseguia terminar a frase – Você tem noção do mal que você fez pra mim e pra ela, com essa historia de doação de esperma? – Renato gritava e chorava, estava em prantos. A culpa corroia seu peito.

 

— Vocês não têm que se sentirem culpados, vocês estavam inocentes...

 

— Isso não muda o fato de eu ter dormido com a minha irmã porra! – Renato gritou explosivamente e saiu batendo a porta.

 

 Silvia correu atrás dele, mas não o alcançou e Sandro apenas ouviu o barulho da moto se afastar. Quando ela entrou na sala e olhou para o marido, o desespero era visível em seu rosto.

 

— Dê tempo a ele... – Sandro disse – Ele precisa pensar.

 

— Ele está muito nervoso Sandro, e ainda com aquela moto...

 

— Eu sei, também estou temeroso, mas ele precisa espairecer. – ele acariciou o rosto de Sandra – Vamos orar pra que ele fique bem.

 

                Quando Sandra acordou, Sandro e Silvia estavam ajoelhados perto dela. Silvia segurava em sua mão enquanto Sandro passava um pano úmido em sua têmpora.

 

— Você está bem querida? – Silvia perguntou.

 

— Se eu estou bem? – ela se sentou rapidamente – Claro que não! Renato... Ele é meu... Oh céus, o que nós fizemos!

 

— Vocês não têm culpa Sandra, nenhum de nós tinha ideia. – Sandro disse sentando ao lado dela – Isso foi uma cruel brincadeira do destino.

 

— Não tem nenhuma chance... Uma pequena chance de você estar errado?

 

— Podemos fazer um teste de DNA, mas acredito que se sua mãe não tivesse usado o que eu doei, ela teria dito nas cartas... E não teria se mudado pra que eu não as encontrasse.

 

                Sandra abriu a caixa e começou a ler, carta por carta. Depois abriu outro envelope que continha os cheques devolvidos, se espantou ao ver o valor alto que alguns tinham. Seu peito inchava enquanto mais lagrimas desciam pelo seu rosto. Ela começou a soluçar desesperadamente.

 

— Eu preciso ir embora.

 

— Eu te levo. – Sandro disse, pegando a chave do carro.

 

                Dirigiu em silencio até o apartamento de Sandra. Quando estacionou no portão do prédio, desligou o motor e se virou para ela.

 

— Posso te pegar amanhã por volta das sete horas? Quero ir logo ao laboratório, precisamos ter certeza. – Sandra franziu o cenho e ele continuou – Entenda,  eu tinha que contar pra vocês, e se der negativo, vou ficar aliviado, não por não ser seu pai, mas por saber que vocês vão poder continuar esse amor lindo de vocês.

 

— Tudo bem, estarei te esperando às sete. – foi a única coisa que Sandra conseguiu dizer e depois saiu do carro.

 

                Ela chorou por horas e horas seguidas. Ficou sentada na janela do apartamento vendo a noite sumir e os primeiros sinais do dia surgirem no horizonte. Não conseguiu dormir, não conseguiu sequer deitar-se em sua cama, que ainda tinha o cheiro de Renato. Ela o amava, e não era amor de irmão. Ele era sua alma gêmea, seu sonho, seu príncipe encantado e se o exame de DNA desse positivo ela teria que desistir desse amor. A vida era injusta e o destino cruel.

 

                Um barulho de moto a tirou dos seus pensamentos, e da janela do terceiro andar, ela pode ver Renato estacionar do outro lado da rua e olhar pra cima. Quando seus olhares se encontraram, tudo que eles puderam ver foi dor e tristeza. Mesmo àquela distancia, isso era perceptível.  Apesar dos últimos acontecimentos, eles ainda tinham aquela ligação, eles ainda sabiam o que um sentia pelo outro. Permaneceram assim, um tempo se olhando, apenas se encarando até que Renato colocou o capacete novamente e foi embora.

 

               

 

                Na manhã seguinte Sandro chegou pontualmente para levar Sandra até o laboratório. Além do “bom dia” eles não conversaram durante todo trajeto. Quando entraram no laboratório especializado em DNA, não demoraram muito para serem atendidos. A atendente disse que o exame ficaria pronto em dez dias. Sandra e o pai se entreolharam, mas não disseram nada.

 

— Quer que eu te deixe no trabalho?

 

— Não obrigada, pode me deixar em casa mesmo.

 

                Depois que se despediram, Sandra voltou ao seu apartamento e ligou para Fernando dizendo que não iria trabalhar naquele dia pois estava doente. No final da noite ele apareceu com um buque de flores e um cartão de melhoras em seu apartamento, mas quando ela abriu a porta, seus olhos estavam vermelhos e inchados, seu rosto ainda molhado por lagrimas que não cessavam e ela tinha uma aparência horrível.

 

— O que aconteceu com você Sandra? – Fernando perguntou assustado.

 

                Ela o encarou por um tempo e tudo que ele pode ver foi sofrimento. Sandra sabia que ele era seu único amigo no Rio. Ela o abraçou e chorou mais. Ele a suspendeu nos braços e levou-a até o sofá enquanto ela apenas chorava.

 

— Por favor Sandra, me conte o que houve. – Fernando disse colocando uma mexa do cabelo dela trás da orelha.

 

                Sandra desabafou com ele quando conseguiu parar de chorar. E Fernando apenas a confortou como um bom amigo, se sensibilizando com a historia que acabara de ouvir.

 

               

 

Os dez dias seguintes foram os mais longos da vida de Sandra. Fernando a liberou do trabalho enquanto o teste de DNA não ficasse pronto. Nesse tempo ela não teve mais noticias de Renato. Silvia ligou quase todos os dias, para saber se ela precisava de alguma coisa, se estava bem, mas as conversas delas eram curtas.

 

                Quando o dia do resultado chegou, todos foram ao laboratório. Desde o dia da moto ela não via Renato e naquela manhã ela pode perceber que ele estava tão mal quanto ela. Olheiras fundas marcavam seus olhos, o cabelo dele parecia que não era penteado há dias e ele estava visivelmente mais magro.

 

                Renato olhou para Sandra e aquele sentimento palpável se fez presente entre eles. Estar perto dela era ainda pior, a dor que ele sentira só aumentou. Olhar para o amor da sua vida, seu anjo, seu sonho e não poder toca-la, não poder beija-la era uma tortura.

 

                Inevitavelmente o olhar deles ficaram presos por muito tempo. Internamente os dois rezavam para que o resultado exame desse negativo.

 

                Ah se isso acontecesse! – Renato pensou – Ele correria até Sandra e a suspenderia em seus braços beijando seus lábios quentes e depois ficaria grudado nela nas próximas horas, não, nos próximos dias, semanas, meses. Casaria-se com ela e nunca mais a largaria.

 

                Sandro arranhou a garganta chamando a atenção de todos e tirando Renato de seus pensamento. Silvia se colocou ao lado do marido acariciando seu braço enquanto ele passava nervosamente os dedos pelo envelope com o resultado do exame de DNA. Lentamente ele abriu o envelope e leu o resultado.

 

 

 

 

 

 

EPILOGO

 

                Era um dia festivo na casa dos Prado. Silvia e Sandro completavam trinta anos de casados, bodas de perola. Não fizeram uma grande festa, apenas uma recepção para poucos amigos. Uma decoração simples e elegante enfeitava o quintal da casa. Fotos do casal foram dispostas no caminho até as mesas e bolas peroladas estavam perduradas completando a decoração.

 

                Silvia usava um vestido justo ate os quadris e drapeado até os joelhos, cinza chumbo o que deu um destaque aos seus lindos olhos azuis. Seu cabelo preso em um elegante coque e ela exibia um colar lindo que ganhara de presente de Sandro. Já ele usava uma calça de brim preta, uma camisa de manga curta azul, um sapatenis também preto.

 

                Os convidados começaram a chegar e eles educadamente falavam com cada um. Silvia cumprimentava uma senhora de cabelos grisalhos, vestida elegantemente, quando Renato chegou acompanhado de sua esposa. Paula usava um vestido justo até os joelhos na cor verde musgo, ela tinha os cabelos soltos jogados por cima de um dos ombros.  Renato estava vestido também elegantemente.            

 

                Silvia foi animadamente cumprimentar a nora, dando-lhe dois beijos no rosto e depois se virando para o filho e dando um abraço apertado.

 

— Como você está meu filho?

 

— Estou ótimo mãe.

 

— Eu sinto tantas saudades.

 

— Oh mãe, por favor, já tem cinco anos que casei!

 

— Poderiam ter trinta, eu continuaria sentindo sua falta. – ela sorriu e beijou a face do filho, mas sua visão virou para o casal que se aproximava e o sorriso de Silvia se tornou ainda maior. Renato na mesma hora se virou para ver Sandra entrar, junto com seu marido Fernando, linda em seu vestido vermelho, levemente suspenso na parte da frente, por causa da sua barriga de sete meses de gravidez.

 

                Renato e Paula sorriram e foram até eles, seguindo os passos de Silvia.

 

— Nossa sua barriga já está enorme. – Paula disse fazendo carinho na barriga de Sandra – E tem o que? Um mês que não nos vemos?

 

— Isso! – Sandra sorriu dando dois beijos no rosto de Paula enquanto Renato e Fernando apertavam as mãos.

 

                Renato e Sandra se aproximaram e se abraçaram. Depois dirigiram-se cada um pra sua mesa com seu cônjuge.

 

                A festa correu alegre e animada, todos os convidados se divertiam e o casal aniversariante renovaram seus votos de casamento.

 

                Renato olhou para Sandra e sorriu ao vê-la feliz ao lado de Fernando. Muito tempo se passou desde aquele dia, quando Sandro leu o resultado do exame de DNA para a família. Ele se lembrava bem da reação tempestuosa que teve. Durante muito tempo ficou sem falar com seu pai. Não podia isenta-lo da culpa por tudo que acontecera, mas no final acabou o perdoando, afinal ele era seu pai e não tinha feito por mal. E Paula, foi um anjo em sua vida. Ela foi amiga, o confortou, sem insinuações, apesar de ele saber dos sentimentos dela por ele, Paula pacientemente aguardou até que ele estivesse pronto pra um novo relacionamento e ele era grato por isso. Seu relacionamento com ela foi começar quase um ano depois e ele aprendeu a gostar dela, fora que, o amor que ela sentia por ele fazia dela a companheira ideal.

 

                Quando ele tirou sua atenção de Sandra, e virou-se para conversar com um amigo que se aproximou para cumprimenta-lo ela o olhou.

 

                Paula ajeitava a gola da blusa dele e depois se virou para conversar com a esposa do amigo de Renato, ela deu um sorriso ao ver como Paula cuidava bem dele. Sandra era feliz ao lado de Fernando, ele era amigo, um excelente marido, sempre trazendo flores, um presente, e ela tinha certeza que seria um excelente pai para sua Beatriz, que viria ao mundo em menos de dois meses. Fernando lembrava-se de todas as datas e foi muito importante na vida de Sandra, ajudando-a a passar pela pior fase da sua vida. Ela lembrava-se bem do quanto foi difícil. E depois de superada a situação, ele a aconselhou a se aproximar do pai. Claro que Sandro e Silvia já tinham tentado por diversas vezes, mas ela ainda estava muito triste e magoada, também envergonhada, pois por mais que soubesse que ela e Renato não tinham feito nada proposital, era inevitável que a culpa os corroesse. E Fernando a fez enxergar que eles poderiam ser uma grande família feliz, quando ela acreditasse de verdade nisso. Casaram-se dezoito meses depois e têm sido felizes até então.

 

— Vem Sandra! – seu pai a chamou tirando-a de seus pensamentos. Renato já estava atrás da mesa do bolo junto com o casal para a foto de família.

 

                Ela caminhou até lá ficando ao lado de Sandro enquanto Renato estava ao lado de sua mãe. Depois que a foto foi tirada, Renato e Sandra caminharam em direção as suas mesas... Seus olhares presos um no outro por mais tempo que o necessário, um sorriso tímido no rosto de cada um.

 

 

Mas eles sabiam que aquele sentimento que eles aplacaram e enterraram lá no fundo do coração, ainda existia e por mais que as outras pessoas não percebessem, era tão palpável e presente...

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