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A Cura pelo Amor

Capitulo 1

– Elise? Elise? Elise, você consegue me ouvir?
         Minha cabeça rodava e a voz de alguém me chamando pareciam agulhas me perfurando. Tentei abrir os olhos, mas havia uma luz muito forte e senti uma dor por todo o meu corpo aumentando conforme eu recobrava a consciência. Aos poucos ia conseguindo entender o que se passava a meu redor. Parecia que eu estava num hospital, mas eu não conseguia me lembrar por que, e em meio a minha busca por memórias ouvi novamente:
– Elise? Ela esta voltando! Encontrou mais alguma coisa na bolsa dela? Algum telefone?
– Não, Doutor, apenas uma identidade, dinheiro, camisinhas e um revolver.
– Elise, você sofreu um overdose e por sorte sobreviveu. Você precisa tomar uma decisão pra melhorar sua vida. Posso te encaminhar a uma clinica de recuperação, mas você tem que querer ir... Elise, eu sei que você já esta me ouvindo tente se lembrar de algum número de telefone de algum familiar seu para que possamos ligar, certo?
         Família? Que família? Faz muito tempo que eu não sei o que é isso. Dois anos se passaram desde a ultima vez que eu os vi.
         Eu sempre fui uma filha perfeita, sempre fui o exemplo e modelo pro restante da família. Meus pais tinham orgulho de mim, e me mostravam como um troféuzinho a todos os seus amigos, quando íamos aos clubes que eles frequentavam. Sempre tive tudo o que quis, mas o que eu mais queria o dinheiro não podia comprar.
         Sempre sofri calada, sempre gostei de invisibilidade na escola, não tinha amigos, apenas pessoas interessadas em tirar proveito da minha inteligência, pois como boa filha prodígio que sempre fui, eu era a primeira da classe.
No terceiro ano eu estava em uma completa depressão, me odiava, odiava minha vida e estava cansada de ser sempre o modelo de tudo.
Decidi então mudar!
Começando pela minha imagem. Sai da escola certa vez dizendo que estaria na casa de uma amiga. Minha mãe como sempre não sabia de nada da minha vida e nem percebeu que eu nunca havia falado de ter alguma.
Fui em um salão de beleza, na época meus cabelos eram longos e loiros, e fiz uma californiana azul. Gostei tanto da cor que pintei logo tudo de uma vez em outro tom.
Quando cheguei em casa minha mãe quase desmaiou ao me ver, e meu pai só faltou me bater, mas eu não liguei. No dia seguinte acordei com uma enorme vergonha de ir à escola, mas a engoli e fui.
Pouca gente me reconheceu logo de cara. Quem me reconheceu ou ficou pelos cantos fofocando, ou veio falar comigo como se fossemos amigos de longa data. Passei pelo corredor de cabeça erguida numa falsa calma entrei na sala e me sentei no final. Os professores perguntavam por mim como se eu tivesse faltado naquele dia, e quando diziam que eu estava ali atrás eles praticamente perdiam a fala.
Mas dentre toda a escola quem pareceu mais se espantar foi Luan.. Ele era o cara! O mais lindo, o mais cobiçado, falava com Deus e o mundo, não parava em sala de aula, mas sempre passava de ano.
Estudávamos juntos desde a quinta serie. Nesse dia ele entrou na sala no meio da aula, provavelmente porque a supervisora o havia pego rodando pela escola. Ele sentou atrás de mim e ficou me olhado... Eu podia sentir seu olhar me avaliando. Depois ele se inclinou para frente e falou no meu ouvido
– Patinho feio radicalizou, hein?! Você esta muito melhor assim!
   Permaneci calada, e ele pegou uma mexa dos meus cabelos entre os dedos e ficou brincando com ela. Virei-me para encara-lo e senti meu coração disparar. Eu também nunca havia olhado ele de perto, e ele era realmente lindo! Olhos negros, cabelo bagunçado, uma pele meio dourada, uma barba por fazer, e um meio sorriso que era sua marca registrada, suas roupas bem mais justas que a da maioria dos rapazes, mostravam um corpo definido, e senti um enorme desejo dentro de mim de passar a mão em sua barriga cheia de ondinhas. Naquele tempo eu pensava que ele era apenas o bad boy da escola, nerds nunca prestam atenção nessas coisas mas ele era pior.
– Quer ficar comigo no intervalo? – Ele perguntou quando me virei.
Não respondi, estava embasbacada com sua beleza. Me voltei novamente para o quadro e fingi copiar a matéria, enquanto ele brincava com meus cabelos. Quando  o sinal tocou senti um leve puxão e me virei
– Eu posso saber o que você quer? Solta o meu cabelo! É jeca é? Nunca viu um cabelo azul na vida?
– Já, patinho, eu já vi, mas nunca ao vivo. E particularmente eu adorei seu novo visual! só falta cortar, mas... – disse ao meu ouvido – eu começo a descobrir que gosto de cabelos azuis e cumpridos – e então – disse voltando ao tom normal e pegando minha mão. Ele parecia que estava tentando me hipnotizar com seu toque lento e metódico, e estava conseguindo – já decidi, vamos embora.
– O que?! Embora pra onde Luan?
– Venha comigo e você vai descobrir.
– Tá maluco? Eu não vou a lugar nenhum com você! Nem te conheço!
– Há então quer dizer que você só mudou os cabelos? Você continua a chata de sempre, Elise! Desculpe incomodar. – disse ele saindo.
         Eu não devia ter dado atenção a ele, mas algo dentro de mim se recusava a aceitar ser chamada de chata. Quem ele pensa que é?
– E eu posso saber como você pretende sair – disse alcançando ele logo depois.
– Pulando o muro, ué! – disse ele com aquele meio sorriso lindo, o que me fez desconfiar que ele fez aquilo justamente para conseguir me convencer. Mas eu não ia voltar atrás, era curiosa demais e queria saber. – Já perdi as contas de quantas vezes fiz isso na vida! E então você vem? – perguntou ele passando um dedo em meu rosto lentamente, fazendo toda a pele ao redor pegar fogo.
– Nunca pulei muro na vida...
– Relaxa! Se só isso te impede eu te ajudo. Então, vamos?
         Seguimos para os fundos da escola, pouca gente estava por ali, a maioria delas eram como Luan, pessoas que iam à escola pra fazer qualquer coisa, menos estudar. Uns conversavam, outros estavam praticamente transando ali mesmo, outros só estavam olhando aquela cena. Fiquei surpresa por descobrir esse submundo dentro da minha própria escola.
– É aqui, vou subir e te esperar lá em cima – dito isso ele foi me soltando lentamente. Tudo o que ele fazia era assim, e eu já estava ficando louca com esse toque intenso. Ele parecia não conseguir falar sem estar tocando em mim.
Luan subiu no muro com a facilidade de quem realmente já fez isso varias vezes, parou lá em cima abriu um sorriso de gato de Alice mais lindo que eu já vi, estendendo a mão pra mim, por um minuto pensei que não ia conseguir, mas quando ouvi a voz da inspetora a adrenalina me deu a coragem que faltava quando estava chegando lá em cima ela chegou
– Elise? Elise, desça já daí você esta maluca?
         Apenas estirei o dedo pra ela e me virei. Luan havia acabado de pular e estava lá em baixo com os braços estendidos para me segurar. Antes de sentir o medo me dominar pulei ao som da inspetora gritando por mim.
         Cai nos braços de Luan e ele tão logo me colocou no chão me pressionou contra a parede e me beijou. Um beijo violento e selvagem, cheio de mãos e gemidos.
Nunca havia visto aquilo na vida, e ele me beijava e me pressionava mais ainda contra a parede com o seu quadril. Não sabia o que fazer, mas agi por puro instinto, retribuindo o beijo e realizando o desejo de passar a mão na barriga dele. Apenas com aquele beijo eu estava em êxtase e uma tontura gostosa se apoderou de mim.
Quando ele começou a descer sua boca pelo meu pescoço, inclinei a cabeça para o lado e vi na porta de uma loja nossa imagem refletida. Não pude acreditar que era eu ali, mas estava gostando de ver. Coloquei a mão por dentro de sua camiseta preta e passei as unhas em suas costas. Senti seu gemido contra meu pescoço, e sai arranhando suavemente sua pele no limite da calça, indo de encontro ao umbigo. Ele deu um pulo pra trás, como se tivesse levado um choque, e  me olhou com aqueles olhos negros e disse que se eu fizesse aquilo de novo ele não ia se controlar.
Apenas olhei em seus olhos e disse que eu não queria controle. Pude ver o fogo arder dentro daqueles olhos e ele me beijou novamente, puxando meus cabelos levemente para trás para poder ter acesso ao meu pescoço. Eu que já estava ardendo somente com aquele toque dele dentro da escola, agora estava em combustão. Eram três horas da tarde e eu estava me agarrando com o cara mais gato da escola no lado de fora dela. Era isso que eu chamava de abalar minha vida pacata.
         Depois que saímos dali ele me levou a um monte de lugares diferentes, lugares que eu já havia ido antes, mas não daquela forma. Como o parque, por exemplo. Havia um lugar lá que o pessoal se reunia a noite, segundo Luan. Lá era muito movimentado, e o pessoal ficava por ali ate o parque fechar, e depois iam pra praça que tinha na rua de trás, e aí começava mesmo a festa.
Ele me levou lá por que tinha que entregar uma encomenda a alguém. Na hora não entendi direito, mas alguns meses depois eu mesma estaria ali entregando essas encomendas também.
Se eu soubesse...
Nesse mesmo dia no fim da tarde ele me levou a sua casa. Era uma zona, mas eu não tive tempo de olhar nada, e logo ele me atacou novamente contra a porta, e o fogo voltou a arder dentro de mim.
– Faz aquilo outra vez...
Antes mesmo dele terminar de falar já estava com minhas mãos naquele caminho. A reação foi a mesma, só que desta vez ele não reprimiu o gemido e era tão lindo e sexy que ele não precisava mais me tocar, eu já estava mais do que pronta pra ele.
         Sua retribuição foi à altura. ele não procurou saber se podia ou não, foi logo abrindo meu uniforme fazendo os botões da blusa voarem longe.
Ele afastou-se para me olhar.
– Onde você estava, gata, que eu nunca te vi?
Dito isso me beijou, suas mãos quentes percorriam todo o meu corpo, e ele me levantou e me agarrei nele com as pernas. Pensei que iriamos para o quarto, mas ele parou no meio do caminho parecendo se lembrar de algo e deu meia volta. Me deitou em uma mesa de sinuca que ele tinha na sala, inclinando-se sobre mim, fazendo uma trilha de beijos do fecho do meu sutiã ao fecho da minha calça.
– Oh, gata você é linda! Esta me deixando louco com essa pele branquinha...
Minha resposta foi me sentar na ponta da mesa, e olhando em seus olhos, abri meu sutiã. Pude ver outra vez aquele fogo e depois disso não houve mais volta, ele me consumia em beijos por todo o meu corpo. Nem percebi quando ele tirou minha calça, estava praticamente nua em cima de uma mesa de sinuca e ele ainda completamente vestido.
Acho que cheguei a um orgasmo só quando ele rasgou minha calcinha fora. Olhei, estupefata, ele retirar um pacote de preservativo do bolso da calça e vestir seu membro... Eu não era mais virgem, mas nem de longe sonhara com algo como aquilo. Não tive tempo nem de pensar e ele me penetrou, e eu praticamente perdi os sentidos.
Naquele dia fumei e bebi pela primeira vez.
De inicio fiquei com receio quando ele me disse que usava drogas, e que estava começando a vender também. Meu lado moralista gritava para que eu saísse dali imediatamente, mas pensei: “Que se foda, conheço gente que já fumou e não se viciou!”
Daquele dia em diante passei a ir a casa dele todas as tardes. Cada vez voltava mais tarde para casa, e aquele meu pensamento inicial não tinha dado certo. Eu sabia onde estava me metendo, mas escolhi seguir em frente... Qualquer coisa pra não voltar praquela vida medíocre e sem graça que eu tinha. Meu comportamento mudou da água pro vinho, minhas notas caíram, e eu só passei de ano por que eu já havia passado por media quando acabou o terceiro bimestre então, no quarto me preocupei em ir apenas para não ser reprovada por falta.
Meus pais enlouqueceram, ameaçaram me expulsar, me deserdar, mas não estava nem aí, eu só queria estar na casa de Luan, ficar muito louca, transar e escutar AD/DC... Ele era louco por essa banda, e descobri que gostava de rock tanto quanto ele.
Meu guarda roupa mudou completamente. Aquelas roupas claras, femininas e cheias de frufru foram vendidas pra comprar mais drogas. Substitui todas por uma grife de camiseta de bandas. Cortei meu cabelo curto do jeito que ele queria, embora ele também gostasse dele grande pra puxar quando me penetrava por trás. Nosso “namoro” era baseado em sexo, mas eu não me importava, era exatamente isso que eu queria. Apesar de tudo, vivia minha vida em função dele e da droga... Eu sabia que não era a única mulher na vida dele, mas eu não me importava, eu ficava com elas também, e descobri que também gostava de mulheres e ele adorava mais ainda esse meu gosto.
Ficamos juntos por um ano e meio. Terminei com ele por que ele não admitia que eu ficasse com outros caras, mas ele não se incomodava quando eram outras mulheres. O outro carinha era mais interessante, arrumei minhas coisas e sai... Ele chegou justamente nessa hora, e a briga foi feia. Luan bateu em mim, e minha sorte foi que Alexandra, uma das minhas “namoradas” conseguiu segura-lo e eu sai correndo dali.
Cheguei na casa do carinha e ele não estava. Fiquei por ali mesmo por toda a noite, dormi na calçada, com minha única companhia, a droga. Amanheceu, e nada do carinha chegar, e eu nem lembrava mais o nome dele... Tínhamos ficado varias vezes em algumas festas e ele me chamara para morar com ele.
Eu estava morrendo de fome, mas não tinha tanto dinheiro assim, como já era m oito horas da manhã e nada dele chegar fui em casa, depois de quase três meses sem aparecer por lá. Eu sabia que não teria ninguém, era domingo e meus pais davam folga a todos os empregados e passavam o dia fora de casa.
Eu sempre deixei minha chave reserva num lugar especifico do jardim, rezei pra ela ainda estar lá e de que meus pais não tenham mudado as fechaduras depois que sai... Para minha sorte não. Entrei na casa e fui recebida por uma enxurrada de lembranças de uma Elise submissa, que fazia de tudo para agradar os pais que só se preocupavam com suas vidas sociais, com roupas chiques para mostrarem nas festas que eram dadas ali, eu não suportava aquilo. Fui ate a cozinha conseguir o que comer, sentei-me na mesa, no meu antigo lugar, e tomei meu café da manha tranquilamente. Depois enchi uma sacola com comidas pra levar comigo e subi ao meu antigo quarto.
Tudo estava como eu havia deixado, peguei tudo o que podia e me deitei um pouco, adormeci e acordei duas horas depois, resolvi então ligar pro carinha, procurei seu numero em minha agenda e liguei.
–  Oi! Eu apareci aí hoje cedo, e você não estava... 
–  Quem esta falando?
–  Elise
– Desculpe, eu não conheço nenhuma Elise.
–  Há! Desculpe devo ter ligado pro numero errado.
         Agora definitivamente não tinha pra onde ir, mas não me importei, já sabia andar por minhas próprias pernas, e em casa eu tinha muita coisa que podia ser vendida, coisas minhas... Eu me orgulhava de nunca ter roubado de minha família pra alimentar meu vicio.
         Passei algum tempo a mais ali, peguei algumas malas e abasteci-me de tudo que eu poderia precisar dali pra frente, e fui embora. Por muitos dias dormi na casa de um e de outro, sempre dando em troca alguma das coisas que trouxera comigo, mas minha reserva estava acabando rapidamente e decidi procurar um emprego.
Demorei, mas consegui um em uma boate. Tinha que limpar o chão dos banheiros, mas na verdade eu passava a noite curtindo as festas. Muitos homens se interessavam por mim, e comecei nesse tempo a fazer programa, e logo depois que eu saia do trabalho sempre tinha alguém pra me levar para algum lugar.
Pensei que eu ia odiar essa vida, mas acabei adorando... Lógico que tinha os homens horríveis, e os que não queriam pagar depois, mas a sorte estava do meu lado e eu estava podendo escolher, e sempre escolhia os mais novinhos e geralmente casados, por que eles pagavam melhor, morriam de medo de se não pagarem eu fosse contar tudo pra mulher deles.
         Na noite anterior eu havia sido demitida, meu chefe me pegou cheirando ao invés de limpando, mas como já tinha companhia para essa noite, e o rapaz queria ficar por ali mesmo, pagou alguma coisa ao meu chefe e fomos pra área vip. Eu ainda não tinha entrado nessa parte da boate, era muito mais bonita que a outra, o lugar me lembrou a cena de um filme antigo que eu vi, não lembro qual, todo o lugar remetia ao luxo a ostentação. Walter, como ele dizia se chamar pediu um champanhe que custava mais do que meu salário miserável.
Passamos a noite por ali o lugar era bem reservado, em um dado momento ele me ofereceu algo mais forte aceitei na hora... Estava afim de algo assim ha algum tempo. Quando ele tirou o cachimbo transparente do bolso eu já sabia o que era, já haviam me oferecido, mas nunca assim de graça, e imediatamente já senti a diferença... Parecia que de repente eu tinha adquirido poderes! Infelizmente, tão rápido veio, passou, e me vi procurando por mais.
– Calma, não vá com tanta sede ao pote, querida... É sua primeira vez, não é?
– É, mas não se preocupe sei me controlar...
         Eu precisava de mais, e uma loucura se apoderou de meu corpo... Um desejo enorme de radicalizar, e eu sentia que estava flutuando... Acho que já estava no meu terceiro cachimbo quando percebi que algo não ia bem, e de repente me veio uma dificuldade enorme de respirar, e toda aquela sensação maravilhosa sumiu.
Eu não conseguia falar nem me movimentar... Entrei em desespero, vi Walter chamando os seguranças, e eles chamando uma ambulância. Meu corpo estava encharcado de suor e a ultima coisa que eu lembro foi de ver Walter indo embora...

 

– Elise? Elise, você esta me ouvindo? – balancei a cabeça para sinalizar que sim – Elise, preciso que você decida agora se aceita ser mandada para uma clinica de recuperação.
– Sim, eu quero ir.

Capitulo 2

Parada em frente ao espelho, eu mal podia acreditar que este dia finalmente havia chegado. Depois de três longos anos, desde o dia em que eu nasci de novo, eu estava realmente tendo alta. E desta vez seria definitivo. Eu já estava limpa há um ano.

 

            Fazendo uma retrospectiva mentalmente, tive muitas idas e vindas aqui na clinica. Depois que eu saia do internato não conseguia ficar mais de dois meses limpa, mas dessa vez foi diferente. Dessa vez eu consegui, por doze meses. Um dia de cada vez. Claro que apoio foi fundamental e eu tive isso, do meu namorado Gabriel e do Sr Fontes, meu atual patrão. E é claro do Dr. Queiroz, meu médico.

            O Gabriel é enfermeiro na aqui na clinica onde eu faço, ou melhor, fiz tratamento. Estamos namorando ha pouco mais de um ano. Claro que eu já o conheço há mais tempo, alias, ficamos juntos algumas vezes antes de começarmos realmente a namorar. E somos totalmente apaixonados um pelo outro. Ele é meu cavaleiro de armadura brilhante.

 

            Depois da minha ultima recaída, nós tínhamos começado a namorar há pouco tempo, Gabriel me convidou para ir morar com ele. Disse que eu precisava de um lar e de alguém que cuidasse de mim. Que ele me ajudaria e me protegeria. Eu fiquei emocionada com o convite e é claro, aceitei. Desde então sou perdidamente apaixonada por ele.

            Outro homem, o Sr Fontes, também tem um papel fundamental na minha vida. Ele é aquele tipo de homem bem feitor, que ajuda as pessoas a terem uma segunda chance na vida. O motorista dele é ex-presidiario e há seis meses eu sou sua secretária. Ele tem um coração enorme, tão grande quanto ele. Homens como o Sr Fontes vão direto para o céu.

 

            Eu olhava fixamente o meu reflexo. Não tinha mais nenhum traço daquela boa moça de cinco anos atrás. Nem física, nem emocionalmente falando. Eu era outra, mais madura, mais autoconfiante e mais acabada pelo uso das drogas. Eu diria que eu pareço pelo menos uns cinco anos mais velha do que eu realmente sou. Apena uma das muitas consequências da minha imprudência.

            Arrumei meu cabelo, que agora estava pintado de preto, lavei as mãos e caminhei até a sala de espera para minha última consulta com o Dr Queiroz. Enquanto caminhava no corredor senti que alguém caminhava atrás de mim.  Virei-me para olhar e era Gabriel. Ele abriu seu lindo sorriso para mim e eu retribuí.

 

            Meu namorado era simplesmente lindo. Ele era alto, moreno, olhos verdes e um corpo de deixar qualquer mulher doida. Eu adorava seu cabelo. Era curto e arrepiado, adorava sentir meus dedos passar por eles.

- E aí, onde vamos comemorar mais tarde? Ele me perguntou parando a poucos centímetros de mim.

 

- Não sei! Podíamos sair pra jantar.

- Fechado! Hoje você que manda.

 

- Não querido, eu mando todos os dias. - eu disse sorrindo e dando um beijo casto nele. Depois olhei para os lados pra ter certeza que ninguém vira.

            Claro que era de conhecimento de todos que nós estávamos juntos. Afinal de contas morávamos no mesmo apartamento, mas dentro da clinica ele ainda era o enfermeiro e eu a paciente. Era terminantemente proibido que trocássemos caricias dentro das dependências da clinica, por mais inocentes que fossem, mas a gente sempre dava um jeito de se tocar, nem que fosse um toque dos nossos mindinhos.

 

            Nos despedimos e eu fui me sentar e esperar o Dr Queiroz me chamar, o que não levou mais de meia hora.

- Bom dia Elise, como está hoje? – O doutor perguntou. Eu devia minha vida aquele homem. Ele me trouxe para clinica depois da minha primeira overdose. E nas outras recaídas, ele sempre mostrou confiança e fé na minha capacidade de largar as drogas.

 

- Animada! – eu disse sorrindo. Há um ano, depois da minha ultima recaída, eu fiquei cinco meses internada. Durante um mês eu ia pra casa com Gabriel e voltava na manhã seguinte para clinica. Depois que o Dr Queiroz me arrumou o emprego com o Sr Fontes eu passei a vir na clinica uma vez por semana e tem sido assim desde então. Mas na semana passada o doutor disse que ele acredita que essas visitas periódicas podem terminar e se, somente se eu quiser continuar consultando com ele, podíamos fazer isso uma vez por mês.

- Elise, estamos juntos há muito tempo. Eu já disse que confio na sua capacidade de resistir à tentação. Veja que maravilha, você já está limpa há um ano! Mas isso não significa nada. Já falamos disso muitas vezes. É um dia de cada vez. Lembre-se disso e você vai conseguir.

 

- Sim, estou ciente.

- Qualquer problema Elise, qualquer mesmo, você pode vir aqui me procurar, ligar no meu celular. Eu já te dei vários meios de me encontrar.

 

- Sim doutor. Eu... – eu o encarei e sorri – Eu quero lhe agradecer. Não sei o que seria de mim sem o senhor.

- Ora menina eu não fiz nada. Foi você! O mérito é todo seu. – ele sorriu se levantou e apertou minha mão. – Agora vá e lembre-se: Um dia de cada vez.

 


            Saí da sala do doutor, e fui ate a sala de Gabriel me despedir. Depois segui para meu trabalho. Era longe da clinica, mas o Sr Fontes sabia que ia à última consulta, então eu não teria problema.


            Enquanto eu estava no ônibus eu observava as pessoas, os carros, a vida. Eu tinha uma visão diferente do mundo agora. Aquilo que as pessoas, na maioria das vezes, viam não era a totalidade da verdade. O submundo das drogas existia e era forte. Estava ali, em todo lugar. Podia vir de onde menos você espera. Todo mundo conhece alguém que usa droga, mesmo que não tenha conhecimento disso. E as pessoas simplesmente ignoram, vivem a sua vida como se isso nunca fosse acontecer com eles. E quer saber? Acontece! Eu sou a prova viva disso. Conheci muita gente do meu ciclo social, ou melhor, do meu antigo ciclo social no submundo das drogas. Até filhos de pessoas importantes eu conheci. Mesmo que agora eu não fizesse mais parte desse mundo, ele ainda estava lá, forte, disponível pra quem quisesse encontrá-lo.

 


            Cheguei ao meu trabalho o tinha uma caixa de bombom e um bilhete do sr Fontes em cima da minha mesa. “Parabéns pela sua vitória”. O homem realmente não existia.

            Depois de um dia agitado de trabalho finalmente deu a minha hora. Eu fui pra casa me arrumar para  minha noite com Gabriel.

 

                         Cheguei em casa por volta das dezenove horas coloquei meu velho e bom rock no som e fui direto pro chuveiro. Eu estava banho ainda quando Gabriel chegou. Ele foi direto para o banheiro e quando me viu seus olhos queimaram.

                         Ele tirou sua roupa, jogou no chão do banheiro e se juntou a mim. Gabriel me abraçou apertado e depois me olhou bem nos olhos, com seu sorriso sexy estampado no rosto.

 

- Como está minha garota?

- Muito bem, e estou muito melhor agora que você chegou em casa.

 

- A reserva no restaurante esta marcada para as nove. – ele disse olhando pro relógio – Acho que podemos começar nossa comemoração agora.

            E depois de dizer isso ele me beijou. Um beijo apaixonado que me derretia de tanto desejo. Assim que nossas bocas se tocaram, nossos corpos já estavam entregues e prontos. Fizemos amor como de costume, forte, duro, como nós dois gostávamos e ao som do Rock’n Roll.

 

            Quando terminamos fui me arrumar enquanto Gabriel foi assistir um pouco de TV. Ele sempre implicava comigo que eu levava meia hora pra me arrumar enquanto ele cinco minutos. E eu nem podia reclamar, pois era verdade.

            Saí do quarto e fui até a sala. Gabriel estava de calça cargo preta, mas ainda faltava por a blusa e o sapato. Quando ele se virou para mim, vi novamente o desejo arder em seus olhos. Eu estava com um vestido preto justo ate a altura do quadril e com camadas de renda na parte de baixo, que chegava apenas ate a metade da coxa, verde, uma sandália Anabela preta, meu cabelo estava preso com alguns fios soltos caindo pelo meu rosto e ombros e uma maquiagem leve.

 

- Estou pronta! – eu disse sorrindo.

- Estou vendo e estou quase cancelando a reserva. – ele se levantou e veio ate mim e me abraçou. Ele estava cheiroso como sempre e eu fechei os olhos pra me deleitar com seu perfume.

 

- Eu confesso que é uma boa ideia, mas aí teríamos que pedir pizza ou comer alguma daquelas comidas congeladas que estão lá no freezer. – eu disse depois de abrir os olhos.
- Ah não! Hoje não é dia para pizza ou comida congelada. – Gabriel disse e depois me beijou – Eu vou terminar de me arrumar. Não demoro.


            Chegamos pontualmente ao restaurante às nove. Sentamos em uma mesa próxima a janela e bem distante de olhos curiosos. Era um restaurante bonito, aconchegante e pouco movimentado pra uma terça feira.

 

            Quando o garçom veio nos atender, a primeira coisa que Gabriel pediu foi uma garrafa de espumante sem álcool.

- Querido, não precisa.  – eu coloquei a mão em cima da dele – Eu bebo um suco, ou um coquetel sem álcool, você pode beber uma bebida normal.

 

- Ei, o que é isso? – Ele disse acariciando minha mão com o dedo – Eu não me importo! A comemoração hoje é nossa. E nós vamos brindar! – ele balançou a cabeça reforçando seu pedido para o garçom que não demorou voltar com a garrafa.

            A noite foi simplesmente perfeita. Brindamos, conversamos, rimos muito. Gabriel era uma pessoa divertida. Bem diferente do enfermeiro da clinica, pois lá ele era uma pessoa seria e às vezes até severa, mas era o trabalho dele, ele tinha que ser assim. Afinal pulso firme era imprescindível no trabalho dele. Estávamos no final da noite já quando ele pediu uma taça de vinho pra ele e um suco de uva pra mim e que o suco também viesse na taça. Eu estranhei aquele pedido, mas ele apenas sorriu.

 

            Assim que o garçom trouxe, ele me entregou minha taça com o suco e levantou para que nós brindássemos mais uma vez, porém antes que eu tocasse a taça dele com a minha ele afastou e colocou a mão no bolso da calça tirando uma caixinha vermelha do bolso. Eu arregalei os olhos e meu coração acelerou.

- Gabriel...

 

- Esse brinde a gente só vai fazer – ele parou de falar e abriu a caixinha – Se você disser que aceita se casar comigo.

            Dentro havia duas alianças de ouro branco, a dele lisa e a minha com uma pedrinha de swarovski no centro. Meus olhos se encheram de lágrimas.

 

- Claro que eu aceito! – eu respondi rindo e chorando ao mesmo tempo. Como ele podia ser tão perfeito? Eu me levantei fui até ele e sentei em seu colo e o beijei apaixonadamente. Quando eu parei ele colocou a aliança no meu dedo e eu coloquei a dele.

- Acho que já esta na hora de irmos pra casa terminar essa comemoração.

 

            Ele pediu a conta e fomos embora. Passamos o resto da noite fazendo amor. Quando terminamos exaustos, eu olhei para minha mão, onde aquela pequena pedra brilhava fortemente.

- Você não existe Gabe. – meus olhos se encheram de lagrimas novamente – Como eu posso ter tanta sorte em ter você?

 

- Acredite meu amor, a sorte é toda minha. – ele disse me apertando junto ao seu corpo e adormecemos assim, abraçados um no outro.


            Os dias foram passando e eu estava cada vez mais confiante. Cada dia que eu passava longe da droga era mais um dia de vitória. Era uma batalha diária, mas eu não me importava. Tinha Gabriel, agora meu noivo.

 

           
            Dois meses haviam se passado desde o nosso noivado. Durante esse tempo eu me senti bem e confiante, não houve necessidade de ligar para o dr. Queiroz, apesar de termos nos encontrado uma vez, quando fui encontrar Gabriel na porta da clinica para irmos à uma festa, foi um encontro casual.
           

            Naquele dia eu saí do trabalho com uma amiga e fomos até o shopping. Mandei uma mensagem para Gabriel avisando que eu me atrasaria um pouco e onde eu estava. Havíamos combinado que sempre que tivesse um imprevisto nos comunicaríamos para não deixar o outro preocupado. Claro que eu sabia que no fundo era uma forma dele ter certeza que eu estava bem, se é que você me entende. Mas eu simplesmente não me importava. Era uma das formas que ele tinha para cuidar de mim e eu me sentia segura dessa forma.

 


            Compramos algumas coisas no shopping e aproveitei pra comprar um presente para Gabriel. Depois de andar muito, nós resolvemos sentar para comer alguma coisa. Eu estava sorrindo e conversando com Marcela, quando vi dois casais se sentando em uma das mesas de um restaurante na praça de alimentação. Era o único restaurante onde as mesas eram separadas das demais. Um dos casais eram meu pai e minha mãe! Meu coração acelerou. Eu ia chamar Marcela pra irmos embora quando minha mãe olhou na minha direção. Ela apenas desviou o olhar e abaixou a cabeça. Aquele gesto me deixou irritada. Muito irritada! Ela claramente estava tentando ignorar minha presença.

            Abruptamente eu me levantei e Marcela perguntou onde eu estava indo e eu simplesmente a ignorei. Parei ao lado da mesa deles com o sorriso largo mais falso que eu pude dar.

 

- Olá papai e mamãe. – eu disse e meu pai quase pulou da cadeira de susto quando me viu. O outro casal me olhou de cima a baixo me avaliando. Eu não os conhecia, deviam ser amigos novos dos meus pais.

- Elise! – meu pai respondeu – O que você faz aqui?

 

- Estou com uma amiga. – eu respondi - Quanto tempo não nos vemos!

- Filha? Que legal! Vocês nunca nos contaram que tinham uma filha. – a mulher do casal que os acompanhava disse e aquilo foi como se enfiassem uma faca no meu coração.

 

- Ah sim eles têm – eu respondi friamente – só que eles têm vergonha de dizer, porque eu sou dependente química. – E quando eu disse isso minha mãe soltou um gemido abafado. O homem que estava ao lado deles se mexeu desconfortavelmente na cadeira. Na mesma hora meu pai se levantou e sem cerimônia agarrou meu braço e me afastou dali.

            Quando estávamos a uma distância onde o casal e minha mãe não podiam me ver ele me soltou.

 

- O que você pensa que esta fazendo? – ele perguntou furioso.

- Eu? Eu fui apenas dar um oi. Vocês que agiram como se eu fosse morder alguém.

 

- O que você quer? Dinheiro? – ele disse colocando a mão na carteira. Meus olhos se encheram de lágrimas na mesma hora.

- Eu realmente só fui dar um “oi”. Eu estou limpa... – eu suspirei – Há mais de um ano.

 

- Você não tem jeito menina, não me engana...

- É sério pai, olhe! – Eu mostrei a aliança para ele. – Eu vou me casar, construir uma família.

 

- Você só pode estar brincando comigo? Você vai construir uma família? – a voz dele ainda era dura.

- Eu estou limpa, um dia de cada vez...

 

- Como das outras vezes Elise? – ele passou a mão nos cabelos – Todas as outras vezes, que você simplesmente dizia estar limpa e nós te dávamos uma chance. E o que você fazia? Nos roubava para comprar mais drogas.

            Elise sabia que era verdade. No inicio ela até evitava procurar os pais para essas coisas, mas depois. Ela não media as consequências e por muitas vezes usou a confiança dos pais para conseguir mais dinheiro para drogas.

 

- Dessa vez é diferente! Gabriel, meu noivo... – eu levantei o dedo e mostrei minha aliança.

- Provavelmente outro drogado igual você! – ele disse entre os dentes claramente contendo um grito. – Eu só vou rezar a Deus pra que ele nunca dê filhos a vocês dois.

 

            Naquele momento eu senti como se meu coração parasse de bater, minhas lágrimas de tristeza foram substituídas por raiva.

- Então diga logo – ele continuou – Quanto você quer?

 

- Pega o seu dinheiro e enfia na bunda.

            Eu gritei e sai andando. Peguei o celular tremendo, mas o número do Dr Queiroz caiu na caixa postal. Eu passei rapidamente pela praça de alimentação e senti que alguns minutos depois alguém estava ao meu encalço. Eu olhei pra trás e era Marcela.

 

- Ei o que aconteceu? Onde você esta indo?

- Não sei, preciso sair daqui, caminhar...

 

- Me diz o que houve.

- Não! Me deixe em paz!

 

            Ela segurou meu braço.

- Não vou deixá-la em paz. Diga o que houve?

 

            Nós saímos do shopping e estávamos caminhando em uma praça que ficava ali perto, quando eu parei sentei no meio fio e chorei.

- Por favor, Elise, eu sou sua amiga. Conte-me o que aconteceu.

 

            Eu disse pra ela cada palavra que meu pai tinha dito e ela ouviu atentamente.

- Seu pai é um babaca Elise! Não se preocupe com a opinião deles. Geralmente é assim, eles nunca acreditam que a pessoa possa ficar bem novamente.

 

- Ainda assim Marcela, como um pai diz isso pra uma filha?

- Ligue para Gabriel, peça pra ele vir te buscar.

 

- Não! Eu não quero que ele saiba dessa conversa. Ele não precisa saber que meu pai é um idiota que deseja que nós não tenhamos filhos. Gabriel é um anjo na minha vida, ele não precisa saber desse tipo de coisa. Não quero contaminá-lo com as palavras daquele homem.

            Nesse momento o telefone de Marcela começou a tocar.

 

- Alô – ela disse – Sim sei... Claro... Eu vou levar uma amiga. – eu levantei as sobrancelhas pra ela. – Venha – ela disse – tem uma festa de uma amiga aqui perto e você vai comigo pra distrair a cabeça.

- Melhor não. Eu vou pra casa, encontrar meu noivo, me perder nos braços dele esquecer esse dia.

 

- Ah deixe de ser boba, você pode mandar ele nos encontrar lá.

            Eu pensei por alguns minutos. Não sabia que ir a uma festa era uma boa escolha naquele momento.

 

- Vamos. - Ela me levantou me puxando e fazendo sinal para um taxi que passava - Quando chegarmos lá pegamos o endereço com minha amiga e você manda Gabriel te encontrar.


            Chegamos à festa em vinte minutos. Como Marcela não sabia o endereço ela foi guiando o motorista. A festa estava cheia, a musica estava alta e grupos de pessoas se espalhavam aqui e ali.

 

            Marcela me deixou sozinha para ir procurar a amiga dela e trazer o endereço para que eu avisasse Gabriel. Eu sentei na mureta da varanda e fiquei esperando. Estar ali não estava me fazendo esquecer os problemas. Eu queria ir pra casa. Quinze minutos se passaram e nada da Marcela voltar.

            Eu já havia decidido ir embora quando percebi alguém sentar do meu lado.

 

- Dez centavos pelos seus pensamentos. – um rapaz sentou dizendo. Alguém que eu nunca tinha visto.

- Bom, como eu não te conheço, nem que você me pagasse cem reais eu diria. – eu me levantei e ele segurou meu braço.

 

- Não seja por isso gata. Me chamo Rafael. E você?

- Não te interessa! – eu respondi com um sorriso debochado.

 

- Hum! Então a gata arranha.  – ele se levantou e se aproximou de mim me encurralando contra a mureta – Adoro ser arranhado.

- Olha eu não sei de que planeta você veio, mas se você me dá licença eu estou indo embora.

 

- Sua amiga me mandou vir te fazer companhia. Ela disse que você precisava de um desses. – ele estendeu o copo de uísque na frente do meu rosto. O cheiro do álcool foi direto ao meu cérebro e uma sensação bem conhecia por mim se apossou do meu corpo.

- Eu não bebo, obrigada. – consegui responder.

 

- Você esta em uma festa, onde oitenta por cento das coisas que estão sendo servidas são alcoólicas e você me diz que não bebe!?

- Sim, não bebo! Agora se você me da licença...

 

- Ah entendi! Você é uma daquelas meninas chatas e nerds, que caiu de paraquedas na festa. Realmente meninas como você nem deveriam vir a lugares assim. São como o patinho feio. Sempre no lugar errado!

            Quando ouvi aquelas palavras algo se acendeu dentro de mim. Eu fiquei com raiva! Me virei novamente na direção dele e o encarei com os olhos apertados.

 

- Eu poderia beber cinco vezes mais que você e sair andando querido!

- Então prove! – ele disse sorrindo e estendendo novamente o copo pra mim.

 

Agora olhando bem ele era lindo. Pele escura, corpo musculoso, sorriso branco. Eu o encarei e tomei o copo da mão dele. Virei de uma única vez e quando tirei o copo da boca meus olhos não tinham lágrimas. Na verdade parecia que eu tinha bebido água.

- Então Rafael, onde nós podemos arrumar mais alguns destes?

Capitulo 3

Eu me sentia como um náufrago que encontra terra firme. Sentir a bebida descendo por minha garganta era a melhor sensação do mundo, e depois do primeiro gole eu tive consciência do quão desesperadamente necessitada eu estava daquilo...

 

Depois da primeira dose eu perdi a conta do quanto bebi... E quem se importava? A cada gole eu me sentia melhor, a tristeza da discussão com meu pai e o vazio que ela deixara foi esquecida, deixando uma sensação de leveza que há tempos eu não sentia.

- Meu deus, o que você está fazendo?

 

Virei-me para olhar Marcela, que olhava com incredulidade para o copo na minha mão. Senti a vergonha chegar até mim, mas também a rebeldia.

- Me divertindo. Não foi para isso que você me trouxe aqui? Não foi por isso que enviou Rafael até mim?
- A trouxe para se distrair, não para beber! – Marcela respondeu quase gritando, os olhos arregalados e assustados. – E eu não o enviei!

 

Olhei para Rafael, que só deu de ombros.

- Eu as vi chegando juntas, e achei você bem bonitinha... Queria me aproximar... E deu certo! – Deu um sorriso despreocupado. Ele acendeu um cigarro e deu uma longa tragada, e acompanhei seu gesto quase que hipnotizada, minha boca salivando. Eu precisava sentir aquele sabor de novo. Ele olhou para mim e sorriu. – Você quer um?

 

- Sim!

- Não! – Marcela respondeu junto comigo e virei-me para ela, zangada. – Qual é, Elise... Não faça isso! Você sabe o que está em jogo aqui... – Ela falou suavemente, tentando me convencer.

 

- Não enche, Marcela. Eu posso parar quando eu quiser! É só bebida e cigarro... – Enquanto eu falava, me veio uma lembrança de tempos atrás, quando eu falei aquilo pela primeira vez... Mas agora era diferente! Eu conhecia o poder da droga, e sabia que, se não entrasse de cabeça, poderia usar de vez em quando sem me viciar novamente.

Eu poderia fazer isso!

 

- Nossa, mas como você é careta! – Rafael disse para Marcela, e nesse momento eu tive que concordar. – Qual o problema com isso?

- Você não a conhece, está bem? Você nem deveria estar falando com ela! – Marcela respondeu, seu tom irritado. Virou-se para mim. – Vamos embora, Elise. Vir aqui foi um erro! – Marcela pegou minha mão, e caminhamos juntas para a saída.

 

- Ah, eu sabia que era só fachada, Elise... Você não gosta de viver, não é? Não gosta de diversão, de aventura, de viver! – O tom de deboche que Rafael usou fez com que eu parasse. Ele tinha razão. Olhei para ele, que sorriu encantadoramente para mim. – Você poderia ficar... Ou melhor, nós podíamos ir para outro lugar... Sei de outra festa, muito mais agitada do que essa... Uma festa onde pessoas cheias de pudores e sem graça não entram! – Ele disse a ultima frase olhando para Marcela.

Fiquei feliz pela oportunidade de me divertir sem precisar estar me policiando. Eu iria sair com Rafael, beber mais algumas doses, e depois voltaria para casa. Dali para frente eu não precisaria pedir suco, espumante sem álcool... Eu poderia brindar com champanhe no meu casamento com Gabriel, como qualquer outra pessoa normal.

 

Pensar em Gabriel quase me fez desistir, mas me mantive firme e caminhei em direção a Rafael. Eu estava fazendo isso por Gabriel, por nós, para que pudéssemos ter uma vida normal juntos.

Marcela ainda tentou me segurar, mas eu sai correndo e rindo com Rafael, ignorando-a totalmente.

 

A outra festa não ficava muito longe dali, e eu havia fumado dois cigarros quando chegamos lá. Assim que entramos Rafael já passou a mão em uma garrafa de whisky, bebeu e passou para mim, e eu tomei grandes e vigorosos goles.

Depois disso eu perdi a noção do tempo. Eu bebia, fumava, dançava, e quando dei por mim estava com um cigarro de maconha na mão. Olhei para ele por um segundo, antes de leva-lo aos lábios... E que sensação maravilhosa!

 

Dali para frente foi pura diversão... Até alta madrugada, quando ouvimos a sirene da policia no portão. Há mais ou menos três horas alguns vizinhos vieram até a porta e pediram para abaixar o som, mas o dono da casa riu e aumentou mais ainda.

Agora, enquanto os policiais batiam no portão, vários de nós fugiram pelos fundos da casa.

 

Vania, uma das garotas que estavam na casa, e seu namorado convidaram alguns de nós para irem para sua casa. Eu não os conhecia, mas não me importava.

Passei todo o dia e a noite seguintes na casa deles, até que a bebida e as drogas acabaram, e como eu não tinha mais dinheiro, fui embora.

 

Passei algumas horas vagando pelas ruas. Estava faminta, de alimento e de mais drogas.

Mas eu não tinha dinheiro.

 

Vi um grupo de pessoas sentadas adiante, em uma calçada, de frente a uma praça. Eu tinha experiência suficiente para saber o que estavam fazendo, e um impulso levou meus passos naquela direção, mas parei.

Mas eu precisava conseguir algum dinheiro antes. Olhei para a minha mão, e soube o precisava fazer.

 

Havia varias pessoas na praça, e me aproximei de um homem.

Em poucos minutos eu tinha conseguido algum dinheiro, e me dirigi ao grupo. Sentei ali, a fome de alimentos esquecida...

 

 

Acordei em um lugar macio e conhecido.

 

Abri os olhos vagarosamente, a garganta seca e os olhos ardendo, a respiração acelerada.

Estava no meu quarto, na minha cama.

 

Lembrei de cenas soltas... Gabriel me carregando nos braços, me dando banho, me alimentando... Eu estava meio que inconsciente quando ele me trouxe de volta para casa.

Olhei ao redor... Vi Gabriel dormindo em uma poltrona no canto do quarto, e meu coração afundou. Como eu pude fazer isso com ele? Como pude trair sua confiança desse jeito? Como poderia olha-lo novamente?

 

A culpa me corroeu por dentro. Eu não o merecia, e ia destruir a vida dele, assim como tinha feito com a minha.

Eu não era forte o suficiente para resistir á droga. Não importava quanto tempo eu ficasse limpa, eu sempre caia em tentação.

 

E o ciclo seria sempre esse... Eu nunca iria conseguir me libertar definitivamente, e olhando para Gabriel agora, dormindo desconfortavelmente na poltrona, pálido e com manchas escuras sob seus olhos, as roupas amassadas.

Eu estava levando-o para o inferno junto comigo.

 

Eu estava arrependida do que tinha feito, mas isso não era o suficiente. A droga me dominava, e sempre o faria, e enquanto lágrimas escorriam pelos meus olhos eu sabia o que tinha que fazer.

O mais silenciosamente possível levantei-me e me vesti, indo para sala. Procurei a chave da porta da frente, e não encontrei. Procurei por minha bolsa, mas não a encontrei. Girei a maçaneta, mas ela não cedeu.

 

Gabriel havia escondido as chaves e trancado a casa.

Frustrada, chutei a porta, e encostei a testa nela.

 

- Você vai se machucar.

Virei-me para encara-lo. Eu queria ir embora para não ter que olha-lo novamente, para não ter que ver sua decepção.

 

Ele estava irreconhecível. O cansaço estava visível em cada linha do seu rosto lindo. Os olhos vermelhos e inchados.

Ele parecia doente.

 

Gabriel se aproximou de mim, as mãos estendidas, e eu me encolhi no canto. Se ele me tocasse eu iria desmoronar e não teria forças para fazer o que precisava.

- Onde você estava indo, Elise? – A voz dele era preocupada.

 

- Gabriel... Eu não quero ficar aqui.

- E onde você quer ficar?             

 

Eu não sabia responder àquela pergunta. Eu só queria sair da vida dele...

- Não sei... Em qualquer lugar. – Respondi, evasiva. Não queria conversar, não queria que ele me perguntasse, que me pressionasse.

 

- Sente-se, Elise. – Ele disse suavemente, mas eu não podia discutir. Ele estava decidido. – Vamos conversar.

Sentei-me silenciosamente, e ele fez o mesmo, ficando de frente para mim.

 

- Por que você estava indo embora?

Não respondi á sua pergunta. Eu não queria conversar.

 

- O que levou você á isso, Elise? – Ele insistiu, e dessa vez lhe contei sobre o encontro com meus pais.

Ele ouviu em atentamente, balançando a cabeça em silencio. Não pude controlar as lágrimas enquanto relembrava o episódio.

 

- Eu entendo o que aconteceu e o efeito que teve sobre você, querida... – Ele me disse, compreensivo, e eu queria morrer ao ouvir a doçura da sua voz. – Mas você precisa aprender a recorrer a mim quando algo a machucar dessa forma. Nós aprendemos que a droga e a bebida não são solução, são problemas, não foi? – Sacudi a cabeça afirmativamente, e ele continuou. – Nós vamos superar, amor...

- Não! – Eu não podia aceitar isso. – Nós não vamos fazer nada. Eu vou embora, e você vai seguir sua vida! Você não tem que viver comigo, não tem que ficar preocupado comigo, não tem que correr atrás de mim! – As lágrimas caiam livremente, e limpei minha face com raiva. – Você tem que encontrar uma boa garota saudável e casar e ter filhos... Eu não sou para você! Eu estou acabando com sua vida...

 

Ele me beijou, interrompendo minhas palavras apressadas.

Ele era a minha tábua de salvação, e me agarrei a ele, beijando-o desesperadamente, querendo gravar a lembrança de seus lábios nos meus pela ultima vez.

 

- Eu amo você mais do que á mim mesmo, Elise. – Ele me disse, olhando nos meus olhos, e havia sinceridade e fé naquele olhar. Como ele podia ainda ter fé em mim, depois de tudo? – Como você pode imaginar que eu optaria pelo caminho mais fácil, quando não posso viver sem você? Você caiu... Isso é ruim, mas não é o fim do mundo! Nós vamos conseguir, você vai ver! Eu confio em você, eu tenho fé em você, eu amo você! Não há outro lugar no mundo onde eu queira estar que não seja ao seu lado, não importando quão difícil seja!

- Você diz isso agora, Gabriel... Mas daqui a algum tempo, quando eu não conseguir, você vai acabar me odiando, assim como meus pais. – Sufoquei só de pensar nisso. Eu poderia conviver com qualquer coisa, mas não com o ódio dele. – E um dia, eu vou encontrar com você e sua linda esposa em uma rua qualquer... Talvez você ate já tenha um ou dois filhos... e eu vou falar com você, e você vai fingir que não me conhece... Ela vai perguntar: “quem é ela?”, e você dirá “Ninguém importante”. – Mesmo aquele pensamento me machucou mais do que as palavras do meu pai.

 

- Isso nunca vai acontecer! – Ele afirmou, e estava chorando também.

Eu queria consola-lo e lhe prometer que nunca mais chegaria perto da droga, mas eu não conseguia fazer isso... Eu o estaria enganando.

 

- Você nunca seria alguém sem importância em minha vida, Elise... Você é meu mundo, meu coração...

- Eu vendi a minha aliança! – Eu gritei para ele. Gabriel estava decidido a me reformar, mas ele não podia. Eu não podia. Talvez agora ele desistisse de mim. – Eu vendi meu celular e a minha aliança para comprar drogas, Gabriel!

 

Em silencio ele se levantou e saiu da sala, voltando segundos depois. Sentou-se do meu lado, e estendeu a mão, abrindo-a.

Minha aliança brilhava ali, na palma da mão dele. O caroço na minha garganta cresceu, e eu o encarei.
- Eu estava louco, procurando você. Ligava, mas seu telefone estava sempre desligado... Até que um homem atendeu, e me disse que tinha comprado de você ha alguns minutos. Ele ainda estava naquela praça, e fui até lá. Comprei de volta o que você havia vendido, e felizmente você não estava distante e eu a encontrei.
Joguei-me em seus braços, chorando descontroladamente.
- Eu não mereço você, Gabriel. E você vai acabar se convencendo disso e me deixando...
- Isso não vai acontecer, querida. Eu a amo, e estou aqui para apoiar você! – Ele beijou meus cabelos, e eu me perguntei se não estava sendo egoísta aceitando seu amor por mim, quando eu não era uma mulher completa.
- Eu amo você também, Gabriel. Mas não sei se posso abandonar as drogas...
Ele colocou um dedo sobre meus lábios, calando-me.
- Nós vamos fazer isso juntos...

Capitulo 4

Gabriel cuidou de mim o dia inteiro, me deu comida, me deu outro banho e secou meus cabelos. Eu definitivamente não o merecia, todo esse carinho, esse empenho em cuidar de mim era à toa. Eu nunca iria me recuperar, meu vicio era maior do que eu. Eu já não tinha mais forças para lutar contra isso tudo. Eu precisava deixar o Gabriel viver a sua vida em paz, sem uma dependente química e todo o peso do meu passado junto. Mas conhecendo Gabriel do jeito que eu conhecia, eu sabia que ele não me deixaria, e era nisso, nessa esperança que eu ainda me segurava, eu precisava lutar por mim, mas principalmente por ele.

 


    Não conversamos mais naquele dia, ele ainda estava com a chave da porta. Aquilo me magoava, mas eu sabia que ele estava fazendo aquilo somente para me proteger, para cuidar de mim. No outro dia Gabriel faltou ao serviço, eu acordei as 11 e o vi sentado na poltrona olhando para mim. Sua aparência era péssima, seus olhos ainda estavam com olheiras e ele havia chorado, eu poderia jurar que sim.

- Bom dia amor - Ele disse se sentando na cama quando me viu abrir os olhos. A vergonha que eu senti em vê-lo daquele jeito por minha causa me fez fechar os olhos novamente, eu não conseguia olha-lo.

 

- Elise, olha pra mim, nós precisamos conversar. Você está se sentindo bem? - Ele perguntou acariciando meus cabelos. Eu precisava do seu toque, do seu abraço, mas me sentia indigna do carinho dele.

- Eu estou melhor - Consegui responder

 

- Amor, você sabe o que temos que fazer agora não é? - Ele parecia cauteloso

   Eu sabia sobre o que ele estava falando, sabia que eu precisava mais uma vez ser internada, eu não estava curada como eu achava, mais uma vez as drogas haviam vencido. Mas a humilhação de voltar como uma fracassada para aquele lugar me deixava com raiva. Eu era fraca demais, e isso acabava aos poucos comigo.

 

- Sim, eu sei o que temos que fazer - Eu disse tentando fazer minha voz soar firme - Nós temos que seguir em frente, eu vou tentar, não, melhor, eu vou conseguir ficar sóbria, eu tenho que ser forte, eu não vou voltar pra lá - eu tremia com a abstinência que já agia no meu corpo.

- Elise - Ele disse sério - Você sabe que tem que voltar pra lá, você precisa lutar mais amor, você tem que lutar Elise, por você, por nós - Sua voz saia como uma súplica.

 

   Eu comecei a chorar e ele me abraçou, eu sabia que ele estava certo, eu não conseguiria sozinha, mas até quando minha vida seria assim? Será que eu viveria pelo resto da minha vida internada em uma clinica? A ideia me apavorava.

- Eu sei - eu disse derrotada - Mas eu tenho medo de que tudo isso seja em vão, eu não acho que eu tenha mais solução Gabriel - Eu admiti.

 

- Eu acredito em você Elise, acredito na sua capacidade, não é fácil e nunca foi, mas você vai conseguir, eu vou estar aqui com você sempre, por que eu te amo - Ele me embalava em seus braços. A fé que ele tinha em mim era enorme. Ele foi a única pessoa alem do Sr. Fontes meu patrão e o Dr. Queiroz meu medico, que confiaram e acreditaram em mim, e agora eu os tinha desapontado. A vergonha percorreu meu corpo. Eu precisava tentar mais uma vez.

- Tudo bem, vamos pra lá - Eu disse chorando. Ele suspirou aliviado e me abraçou. Eu permaneci deitada na cama enquanto ele arrumava minhas malas e ligava para o Dr. Queiroz, ele saiu do quarto para eu não ouvir sua conversa com ele. Mas eu podia imaginar o que ele estava falando, que eu mais uma vez fui fraca e não resisti. A dor no meu coração de ver Gabriel passando por tudo isso só aumentava a cada dia. Mas eu o amava e faria qualquer coisa para ver ele feliz.

 


   Eu ainda me sentia fraca e derrotada quando Gabriel me segurou no colo para me levar para o carro. Ele havia combinado com o Dr. Queiroz que eu voltaria imediatamente para a clinica, ele também ligou para o Dr. Fontes e avisou que eu seria internada de novo. Tinha certeza que desta vez Dr. Fontes não iria me perdoar. Eu já havia abusado de sua boa vontade.

   Chegamos a clinica e o Dr. Queiroz já estava me esperando na entrada, ele não disse nada, somente me abraçou e me levou para o quarto onde eu ficaria. A clinica era bem espaçosa e clara. Os quartos eram pintados com cores claras e relaxantes, o meu quarto era pintado num tom de azul claro que me lembrava da cor do céu de verão.

 

   Eu lamentava o fato de ficar mais uma vez longe do Gabriel, mas seria muito necessário, ficar perto dele me deixava emocionalmente fraca e instável, pois eu sempre ficaria imaginando sobre o que ele estaria pensando de mim e não me concentraria na cura e reabilitação. A despedida foi triste e dolorosa;

- Daqui duas semanas nos vemos meu amor - Ele disse me dando um beijo casto nos lábios.

 

- Duas semanas? Achei que nos veríamos no fim de semana - Eu disse confusa, não gostaria de ficar tanto tempo longe dele.

- Sim, duas semanas, Dr. Queiroz quer que você se concentre só em você durante esse tempo, não posso ser uma distração para você linda. Mas você sabe que eu te amo, e tenho fé em você. Nós vamos passar por isso. Seja forte. - Ele disse e saiu me deixando sozinha com meus medos e frustrações.

 

   Eu chorei muito naquele dia, Dr. Queiroz não tentou conversar comigo, eu achei melhor, pois estava um caos por dentro e não saberia o que dizer pra ele. Não consegui dormir direito, pois tinha recusado a tomar o calmante que a enfermeira me trouxe, precisava pensar com clareza, mas a abstinência não me deixava pensar direito. Estava agitada e confusa, precisava da droga, mas me lembrava do Gabriel e tentava me controlar.

   No outro dia, eu me mantive mais calma, Dr. Queiroz veio e me perguntou se eu me sentia confortável em conversar com ele sobre o que tinha acontecido, concordei e contei para ele todos os detalhes, ate os mais embaraçosos como, quando vendi minha aliança e meu celular para comprar drogas. Chorei a sessão inteira e ele apenas me ouviu.

 

- Elise, você entende o que desencadeou tudo isso novamente? - Ele perguntou

- Sim, eu sei o que aconteceu, eu estava frustrada e magoada com os meus pais e usei as drogas como o meio de me esquecer de toda a dor que eu senti ao ser desprezada por eles. - respondi

 

- O que você precisa entender é que você ainda vai passar por muitas frustrações na sua vida Elise, você ainda vai se decepcionar com as pessoas, mas a droga não vai tornar isso mais fácil pra você. A droga te traz a falsa sensação de que esta tudo bem, mais quando o efeito alucinante passa, só fica a decepção e a raiva. E são esses sentimentos que nós queremos evitar não é mesmo? - Ele dizia com sua voz doce

   Eu apenas concordava com a cabeça, eu sabia que era verdade o que ele dizia, mas na vida real era mais difícil conseguir. As tentações, saber que a cada esquina eu poderia encontrar alivio para as minhas dores e decepções, tornava as coisas praticamente impossíveis. O mundo das drogas é muito mais estruturado do que as pessoas pensam, você pode arrumar droga em qualquer lugar a qualquer preço.

 

   Os dias foram passando e eu novamente fui me acostumando à rotina da clinica. Muitas pessoas não sabem como funciona uma rotina em uma clinica de reabilitação, mas lá existem muitas regras e horários. Eu tinha vários grupos de conversa, psicólogos, psiquiatras, grupos de religião, artesanato. Rotinas que nos ajudavam a esquecer aos poucos as drogas.

   O dia que eu veria o Gabriel de novo estava chegando. Eu estava animada e com saudades. Me mantive ocupada durante toda a semana e me sentia mais calma e centrada. Ate que na quarta feira de manha, a clinica recebeu mais um paciente. A principio eu não o reconheci, ele estava de costas e parecia magro e doente, mas quando ele se virou e olhei em seus olhos o reconheci, já havia se passado muito tempo, mas ele não havia mudado muito, era o Luan.

 

   Eu sabia que ele tinha me reconhecido, mas eu corri para meu quarto. Não era possível... Tanto tempo querendo esquecer e enterrar o meu passado, e ele continuava a me perseguir. Era ele, eu tinha certeza. O tempo foi cruel com ele, estava muito mais velho, seus cabelos estavam sujos e sem brilho e seus olhos negros estavam sem vida. Mas ele continuava bonito e prepotente, seu ar superior ainda estava lá, mesmo acabado pelas drogas ele parecia confiante.

Eu fiz de tudo para não encontra-lo, mas era impossível, no outro dia eu o encontrei em um grupo de apoio.

 

- Vejam se não é a Patinho por aqui... Mas cadê aquele seu lindo cabelo azul Patinho? Eu gostava mais daquela cor, essa aí te deixa... Sem graça. - Ele disse com aquele sorriso diabólico nos lábios. Ele segurou uma mecha dos meus cabelos pretos e ficou brincando com ela nos dedos.

- O meu nome é Elise se você não se lembra Luan, e eu não sou mais como naquela época - Eu disse tentando parecer confiante.

 

- Ah patinho, você quer enganar a quem? Claro que você ainda é a mesma, ou senão você não estaria aqui não é mesmo? - Ele disse

Ouvir aquilo dele me magoou, eu sabia que ele tinha razão, no fundo eu ainda era aquela menina de cabelos azuis. Eu permaneci quieta, não teria como negar.

 

- E essa aliança em seu dedo? - Ele perguntou

- Eu estou noiva - Respondi rispidamente.

 

- Me deixa adivinhar? Um cara chato e sem graça, que não bebe e não cheira, que te prometeu te tirar das drogas e te apoiar incondicionalmente. Aceitei? - Ele perguntou sorrindo

- O Gabriel é muito bom pra mim Luan, ele é um cara sim honesto, trabalhador e que mesmo que eu não mereça atura todas as minhas idiotices, e eu o amo - Eu disse agora com raiva - Você me colocou nessa merda desse vicio e ele esta fazendo de tudo para me ajudar - Eu senti a enorme obrigação de defender o Gabriel.

 

- Ah patinho qual é? Eu te coloquei nessa merda? Você mesmo entrou nessa por que quis, eu ofereci e você aceitou, simples assim, assuma a sua culpa. - Ele em nenhum momento tirou aquele sorriso do rosto.

- Eu sei que eu tenho culpa, e eu sei que eu mereço passar por tudo isso que estou passando agora, mas eu me arrependo todos os dias por ter experimentado as drogas. E vou fazer de tudo para sair desse vicio - Eu estava quase chorando agora, conversar com o Luan só me fez ver o quanto ele tinha razão, eu que me arruinei, eu que recorri às drogas para animar a minha vida chata e pacata. Eu era a culpada...

 

- Para com isso patinho - Ele disse se aproximando de mim e tocando meu rosto com os dedos - Você ainda é linda, só esta mais chata e amargurada, e esse cabelo definitivamente não combina com você, mas eu posso sentir que você ainda é aquela menina alegre e doida que você era. E eu sei que nós ainda podemos nos divertir muito, eu não pretendo ficar muito tempo aqui, só vim pra cá por que meus pais estavam enchendo o meu saco e o meu velho infartou por minha causa. Mas logo eu vou sair daqui... E você vai vir comigo - Ele disse aquilo e saiu para se juntar às outras pessoas do grupo.

- Elise, tudo bem com você? - Perguntou Dr. Queiroz se aproximando

 

- Er... Tudo bem sim - Eu disse disfarçando o nervosismo

- Quem era aquele que você estava conversando? Ele chegou ontem e eu ainda não tive a oportunidade de conhecê-lo, ele é paciente do Dr. Almeida - Ele disse.

 

Eu fiquei sem reação, não tive coragem de contar para ele que aquele era o Luan da minha adolescência, o meu consciente me dizia para contar, mas alguma coisa dentro de mim me dizia para esconder minha relação com ele.

- Não sei o nome dele, apenas conversamos sobre a vida - Eu disse sem dar importância ao caso.

 

- Está certo, você esta animada para ver o Gabriel no sábado? - Ele perguntou animado

- Muito - respondi rapidamente

 

   Dr. Queiroz saiu e fui me sentar para acompanhar a reunião. Luan olhava fixamente para mim e aquilo estava me incomodando. Mas o que estava me deixando incomodada na verdade, era o fato de que Luan pretendia fugir, e ele queria me levar com ele. Eu sabia que Luan era um problema, eu convivi com ele por um tempo e sabia que seu vicio era muito maior que o meu, mas a ideia de fugir com ele invadiu a minha mente. Eu me sentia culpada por apenas pensar nisso, mas eu estava tentada a aceitar.

No outro dia Luan me abordou de novo

 

- Patinho, eu tenho um plano pra sair daqui - Ele disse cheirando meus cabelos.

- Sai fora Luan, eu não quero papo com você - Eu disse me afastando.

 

- Ah sem essa patinho, eu sei que você quer fugir também, me ajuda no meu plano e vamos dar o fora desse lugar chato. - Ele disse animado, ele estava agitado demais, suspeitei que fossem os efeitos da abstinência dele.

- Luan nós precisamos nos curar, precisamos nos libertar desse vicio - Eu dizia tentando acreditar nas minhas próprias palavras, mas a ideia de fugir estava ganhando espaço na minha mente.

 

- Você acredita mesmo nisso patinho? Nos não temos mais cura, nos somos assim e nada vai mudar isso, vamos sair daqui e nos divertir como antigamente, vamos às festas mais badaladas e pegar muitas mulheres, eu sei que você curte isso. Então para de tentar se enganar e vamos cair fora -

   Eu fiquei em silencio, será que ele estava certo? Será que realmente eu não tenho cura e vou ser uma viciada pelo resto da vida? Será que eu nunca poderei ter uma família com o Gabriel, me casar e ter um filho com ele? Aquilo me entristeceu, eu não tinha cura, eu estava estragando a vida do Gabriel, ele não merecia passar por isso tudo...

 

- Como você pretende fugir? - Eu perguntei

Ele abriu um sorriso largo pra mim

 

- Eu sabia que você ia topar - ele disse animado

- Eu não topei nada, só estou curiosa - eu disse fingindo não estar animada em fugir também.

 

- Advinha como? - Ele perguntou.

- Não faço ideia, aqui eles têm um segurança em cada saída - Eu disse confusa.

 

- Vou fazer o que eu faço de melhor patinho, vou pular o muro - Ele sussurrou no meu ouvido e continuou - Quando cheguei, notei que tem um muro na lateral que dá acesso a rua principal. Nós só precisamos despistar os médicos e sair de fininho à noite.

Ele continuou contando seu plano e eu já me imaginava saindo daquele lugar e indo me divertir usando drogas nas festas com o Luan, ate que a imagem do Gabriel surgiu na minha mente. Será que eu conseguiria viver sem ele? Será que a droga venceria essa guerra?

 

- E ai patinho? - Luan perguntou - Topa fugir comigo?

Eu estava prestes a tomar a decisão da minha vida...

Final

Eu realmente estava pensando nisso? Uma parte de mim não podia acreditar que eu sequer levantava essa hipótese de fugir com Luan, mas outra...

 

Seria tão mais fácil esquecer-se de tudo e de todos e viver como eu bem quiser, e tinha também Gabriel, por mais que me doesse eu não tirava da cabeça a ideia de deixa-lo livre pra ter uma vida normal e tranquila ao lado de alguém que não fosse dar tanto trabalho a ele.

– E então patinho se decida!

 

– Não é assim tão fácil Luan – disse exasperadamente.

– Tudo bem te dou até a noite para pensar, as oito horas quando formos nos reunir na sala de jogos você me diz! Eu não aguento mais isso aqui! E olhe que eu passei só dois dias! Vamos fugir no dia das visitas quando o pessoal estiver indo embora no final da tarde eu já fiquei um mês nesse inferno uma vez já sei como funciona.

 

– Eu tenho que ir – disse para poder me afastar dele, mas fui surpreendida com ele puxando meu braço, ficando próximo, muito próximo de mim falando a centímetros do meu rosto.

– Nem lembro mais por que a gente se separou, ontem a noite estava me lembrando das coisas que já fizemos juntos e tenho que te dizer você me deixa louco só com essas lembranças gata, meu coração sempre foi seu saiba disso? Não vejo a hora de ter você outra vez em meus braços, em minha boca, em meu corpo inteiro – disse ele com os lábios encostados em meu ouvido – alguma coisa me diz que você vai aceitar!

 

– Me solte Luan! – pedi baixinho.

– Como quiser, mas depois que eu te pegar eu só vou te soltar quando você não aguentar mais. – disse ele piscando o olho e saindo de perto de mim, me deixando ali atordoada com meus pensamentos que iam ora em Gabriel e em todo o seu amor dedicado a mim, ora em Luan e toda a facilidade que aquela fuga me traria.

 

         Durante a tarde tinha uma sessão com o Dr. Queiroz, ainda não estava preparada para falar de Luan, mas acabei contando por que e como começamos a nos relacionar a alguns anos atrás.

– Elise, todas as vezes que você me fala que caiu e usou drogas outra vez – começou Dr. Queiroz – você sempre falou algo relacionado à sua família, pode perceber, desta ultima vez você se encontrou com eles e deu no que deu, agora você me fala que quando começou a usar drogas após ter conhecido esse rapaz você sentia que sua vida era chata e monótona, o que o Luan fez? Ele usou esse seu sentimento contra você mesma, provavelmente você o culpa por ter entrado nessa, mas a culpa não é unicamente dele, e você sabe não é! Eu gostaria de sugerir a você uma terapia familiar.

 

– Como assim? – perguntei remexendo-me desconfortavelmente onde estava.

– Com seu consentimento claro, entrarei em contato com sua família...

 

– Não! – logo o interrompi – eles não vão querer vir aqui, eu os conheço muito bem, eles tem vergonha de mim...

         Durante os dias seguintes o Dr. Queiroz ainda tentou me convencer, mas não, não queria eles em contato comigo novamente, até entendi por que ele estava tentando fazer isso, segundo ele, meus problemas só poderiam ser resolvidos caso eu resolvesse os que tinha com minha família, mas não... melhor não...

 

         O sábado que eu veria Gabriel havia chegado, durante todos os dias anteriores Luan insistia em me ver, ele queria por que queria que eu fugisse com ele. Meu encontro com Gabriel foi tenso, eu me sentia constrangida de estar na frente dele, não só pelo que tinha o feito passar, mas pelo que eu estava cogitando.

– O que você tem meu amor? Você tem estado tão quieta, você não é assim.

 

– Não é nada Gabe – disse baixando o rosto.

– É claro que tem alguma coisa, te conheço muito bem, vamos fale pra mim, não adianta negar.

 

– Luan esta aqui
– O que? Aquele Luan que você falou? – disse ele levantando-se – o Dr. Queiroz sabe disso? Como ele sabe disso e não faz nada? Ele pode prejudicar seu tratamento assim que eu sair daqui eu vou lá falar com ele!

– Calma Gabriel! Eu nem se quer paro pra falar com ele a não ser o indispensável – menti – não precisa ficar desse jeito – eu nunca havia visto Gabriel irritado com nada, essa sua reação pra mim era nova, o que ele faria se soubesse que eu conversava com ele todos os dias? Agradeci pelo Dr. Queiroz ter solicitado as férias dele para que ele não ficasse perto de mim durante o internamento.

 

         Após esse episodio, voltamos ao normal, e aproveitamos ao máximo o nosso tempo juntos, quando estávamos saindo do meu quarto Luan passou por nós olhando Gabriel de cima a baixo com um sorrisinho cínico que eu conhecia muito bem, até podia imaginar o que ele estava pensando.

Vê-lo também me lembrou que se eu decidisse fugir dali teria que ser esta noite quando o pessoal que viera visitar alguém estava indo embora, ainda não havia me decidido e essa duvida estava me causando uma tremenda dor de cabeça.

 

– Tenho que ir agora meu amor – disse Gabriel dando-me um beijo de despedida, eu o puxei para um beijo mais intenso, sem nem mesmo me preocupar com as pessoas ao redor, poderia ser o ultimo.

– E quero que você saiba que eu te amo muito Gabe – disse depois do beijo abraçando-o – quero que saiba que só quero o seu bem e que nada irá mudar isso.

 

– Eu também meu bem, mas por que isso agora? Eu voltarei logo ao trabalho, provavelmente na metade da semana que vem e você fala como se não fosse me ver nunca mais – indagou ele com a testa franzida, ele era muito sensível a mim, sempre antecipava meus pensamentos, meus desejos e minhas necessidades, onde eu iria encontrar um homem assim na vida? Mas ele não merecia tudo o que eu fazia com ele, eu precisava dar um fim nisso doesse a quem doesse.

– Eu sei meu amor, mas as vezes tenho vontade de dizer isso do nada. Posso? – perguntei em tom de brincadeira para tranquiliza-lo.

 

– Hum, que bom saber então! Vou agora, estou preparando uma surpresa super especial para quando você voltar pra casa.

– Uma surpresa?! O que é?

 

– Há mocinha curiosa! Não vou dizer, volte pra casa e você saberá! – o que ele me disse encheu o coração de tristeza, será que eu voltaria para casa?

– Pode deixar – falei dando-lhe um falso sorriso – voltarei assim que possível – ele me beijou novamente e eu fiquei ali parada vendo-o partir, meu coração pesava com a dor de talvez ser esse nosso último encontro.

 

         Ainda estava próxima a porta quando senti alguém mexendo em meus cabelos, só podia ser Luan, virei-me e o encarei, ele trazia como sempre aquele sorriso, mas eram visíveis as alterações causadas pela abstinência, parecia que ele havia levado um choque!

– Que lindo! Vocês dois até combinam sabia? Mas eu conheço sua essência, você não é uma mulherzinha melosa, você é doida, você gosta do perigo e do prazer, ele sabe que você também gosta de mulheres? Por que ele tem cara de ser um moralista fudido! Como é que você foi se interessar por um cara desses em?

 

– Cala a boca Luan! Me deixa em paz! Nada disso é da sua conta – gritei já indo para meu quarto, chamando atenção das pessoas que se dirigiam à saída.

– Ei mocinha volte aqui – disse ele rapidamente chegando ate mim – não finja que você não tem o que fazer não! Já se decidiu?
– Luan, me deixa em paz! Será que você não consegue compreender isso? Eu quero paz! Some da minha vida.

 

– Gata já te falei, lá fora será muito melhor, tudo será melhor desta vez, agora eu comando aquilo tudo, se você ficar comigo não vai precisar pagar por nada! Mulher minha não paga a droga que consome não! Naquele tempo eu não podia te dar isso, mas agora eu posso! Ganhei uma boate num jogo, você pode me ajudar a administra-la como forma de pagamento se quiser! – apenas o olhei sem expressar nada, ele entendeu – tudo bem gata, eu conheço essa cara. Você quer pensar? Pensa mais um pouco daqui a meia hora eu volto estarei lá fora, vou te esperar por dez minutos patinho depois disso vou embora de uma vez, não precisa se preocupar em levar nada por que eu vou te dar tudo – disse ele acariciando meu rosto e saiu.

         Entrei em meu quarto e desabei na cama! Dentro da casa era a única hora que tínhamos um pouco de liberdade, quando as visitas estavam indo embora, daqui a uma hora mais ou menos seriamos chamados para o jantar e Luan, muito provavelmente, já estaria longe.

 

Minha cabeça latejava de dor, eu nunca estivera tão dividia em toda a minha vida. Vinte minutos se passaram, e eu já havia tomado minha decisão!

         Me levantei e sai apressadamente para o local marcado, ele já estava lá, sentado no banco fingindo olhar as estrelas que já brilhavam no céu, estava esperando escurecer, o momento antes do pessoal ascender as lâmpadas do lado de fora, me aproximei lentamente sem ele perceber e me sentei ao seu lado, ele assustou-se mas sua cara de espanto logo foi substituída pelo seu costumeiro sorriso torto.

 

– Patinho eu jurava que você não iria vir.

– Estou aqui!

 

– Está pronta?

– Estou!

 

– Você não vai se arrepeder...

– Estou pronta para me despedir de você Luan – interrompi.

 

– O que? – perguntou ele perplexo – quer dizer que você vai ficar? Então por que veio? Podia simplesmente ter ficado lá dentro e ignorar o que eu disse seria bem mais fácil!

– Seria eu sei, mas resolvi que agora vou encarar todas as dificuldades!

 

– E por um acaso é difícil você me ver partindo?

– Não, muito pelo contrario.

 

– Não entendi então por que você veio?

– Pra ver ir embora junto com você, toda a dificuldade que eu já enfrentei para largar desse vicio, pra tentar te fazer entender que por mais que isso aqui pareça o inferno agora, você esta fugindo para outro muito pior.  Pra te dizer que eu não te culpo, que eu sei que as escolhas foram minhas que você apenas me apresentou esse mundo e eu decidi segui-lo!

 

– Como se isso me importasse – disse ele desdenhosamente – estou pouco me lixando se você me culpa ou não, também estou pouco me lixando pro seu perdão e pra sua concepção de inferno! Se você quer ficar fique, finja se livrar disso e se case com o moralista fudido! Enquanto você vai estar lá com sua vidinha chata e sem graça novamente eu estarei me divertindo e curtindo a vida.

– Eu não acredito mais que isso possa ser chamado de vida Luan, é uma pena que eu não possa te abrir os olhos, por que quem tem que abri-los é você mesmo! Espero muito um dia te encontrar limpo!

 

– Espere sentada nesse banco então querida por que eu já estou indo! – dito isso ele se levantou e caminhou calmamente em direção ao muro, era sim uma falha de segurança do local, mas ali não era um presídio, se ele quisesse até poderia sair pela porta da frente.

Enquanto eu o olhava sua imagem a se afastar decidi que daquele momento em diante o vicio não me venceria mais, por que agora mesmo que eu sofresse a maior decepção ou raiva ou qualquer contrariedade que me fizesse querer voltar, eu teria meu porto seguro em casa, Gabriel, me perdoe por apenas cogitar a hipótese de abandona-lo, clamei silenciosamente.

 

Não sei se terei coragem de contar o que aconteceu a ele algum dia, mas de uma coisa eu tinha certeza, eu jamais iria por nosso amor em uma balança outra vez.


EPILOGO

 

– Amor me passa essa salada por favor – pedi a Gabriel que estava do outro lado da mesa.

– Mamãe eu não quero comer salada não tem gosto ruim e eu não gosto – reclamou Henrique ao meu lado.
– Mas meu amor, mas faz bem pra sua saúde, a mamãe vai por só um pouquinho ta bom?

 

– Ta bom – disse ele fazendo beicinho.

– Coma que depois a mamãe e vai brincar com você na piscina e o papai vai tirar um monte de fotos! E eu vou te matar de cosquinha – falei atacando-o fazendo ele se contorcer sob minhas mão.

 

– Hai mamãe ta bom ta bom eu vou comer para eu vou comer! – disse ele explodindo em risos.

– Querida seus pais no telefone – disse Gabriel me entregando o celular, nem tinha notado ele saindo da mesa.

 

– Alô mãe? Vocês não vão vir? Estamos dando o almoço do Henrique ele estava reclamando já.

– Não poderemos ir meu bem, houve um imprevisto e perdemos o voo, me perdoe, seu pai quer falar com você!

 

– Há tudo bem mãe, passe pra ele.

– Elise? Minha princesa! Nos perdoe por favor, a culpa foi toda minha, fiquei ate tarde lendo um livro e me atrasei, desculpe faltar ao seu almoço.

 

– Não se preocupe pai, muitos aniversários virão se Deus quiser!

– E a barriga como esta? Quero ver minha netinha logo.

 

– Está enorme! Nesses três meses que o senhor foi pra Europa ela cresceu bastante, esta prevista pra daqui a duas semanas, mas nunca se sabe não é.

– Verdade! Querida, mais tarde nos falaremos outra vez mande um beijo pra Leticia aí nesse barrigão e um beliscão no Henrique.

 

         Quatro anos já haviam se passado, desde a ultima vez que estive internada na clinica, de lá pra cá na houveram mais recaídas, o Dr Queiroz acabou por me convencer a fazer aquela terapia familiar, o que foi ótimo, pois hoje convivemos muito bem. Me casei com Gabriel no final daquele ano e em Setembro do ano seguinte nascia Henrique, nosso principezinho travesso, e agora estava grávida de oito meses e alguns dias da tão aguardada Letícia.

         Estávamos fazendo um almoço de comemoração aos nossos quatro anos de casados, Gabriel como sempre um anjo em minha vida, esteve ao meu lado em todos os momentos e a cada dia, apesar das dificuldades normais de um casal, eu o amava mais e mais.

 

         Minha vida não acabara monótona e sem graça como eu temia, com Gabriel isso era impossível, ele se revelara o maior palhaço de todos os tempos, nossa casa vivia cheia de amigos, e constantemente dávamos festas, não havia mais aquela preocupação comigo como havia nas outras vezes que saia da clinica, desta vez eu era capaz de beber socialmente, mas preferia nem fazer, de inicio por causa da gravidez, mas também por que eu realmente não via mais graça alguma nisso.

         A um ano e meio atrás eu recebi uma visita do Dr. Queiroz em minha casa, ele mal vinha agora, estava trabalhando em outro estado, e ele me disse que Luan havia tido uma overdose a alguns meses, ele havia feito de propósito, havia se suicidado, o Dr. Queiroz vinha também me trazer uma carta que ele supostamente havia escrito pra mim. Uma letra quase que ilegível, mas que com muito esforço consegui entender.

 

         Patinho desculpe por tudo o que disse de você na ultima vez que nos vimos, mas eu sempre te admirei, eu fui no seu casamento você estava linda, eu vi o seu filho na escola muitas e muitas vezes quando ele estava no intervalo e passava perto do portão. Eu zelei por ele patinho, das vezes em que quiseram assaltar por ali eu sempre impedi e teve uma vez que eu te salvei também, você estava linda num vestido lilás eles iam assaltar você, mas não deixei, eu te disse num disse que eu comandava tudo por ali!

Ainda acho seu marido um moralista fudido, mas ele é melhor que eu isso eu sei, você a cada dia esta mais linda, só esse cabelo que não tem nada haver com você! Sabe patinho, eu por muitas vezes me perguntei se não teria sido melhor te dado ouvidos naquele dia, mas as coisas são do jeito que tem que ser não é mesmo? Eu acho muito difícil eu ter tido a sua força de se livrar dessa merda!

Mas agora eu estou indo embora, pena nunca mais poder te encontrar por que eu sei que vou pro inferno escutar o sino tocar! Mas você não, você vai seguir pelas escadarias do paraíso disso eu tenho certeza mesmo sabendo que você gosta de ac/dc até hoje você vai pelo Led né! Garota esperta!!!

Vida longa a você por que a minha acaba por aqui.

Arrependido por não ter te roubado um beijo, Luan Cesar.


Por menor contato que eu tenha tido com Luan depois daquele dia, comoveu-me saber que ele não tinha conseguido, mas é assim mesmo, esse caminho nunca leva a um final feliz.

 

Minha vida agora era minha família! Tudo estava bem e perfeito! Eu tinha um marido maravilhoso, um filho lindo, uma filha a caminho e falava novamente com meus pais! Eu não me consultava mais com o Dr. Queiroz, pois ele agora é o padrinho do meu filho e segundo ele não pode tratar uma pessoa próxima. O Dr. Fontes havia falecido também há alguns anos, sofrera um infarto fulminante e hoje eu comando a empresa que um dia fora dele, não por que ninguém havia me dado, mas por ter conquistado o cargo, ainda mantenho como objetivo principal empregar pessoas que precisavam de uma segunda chance. Gabriel ainda trabalhava na clinica, mas agora era o chefe dos enfermeiros, ele ama o que faz e pra ele estava tudo ótimo e maravilhoso ser enfermeiro, e eu não discordo em nada.

– Elise? Elise esta me ouvindo? – chamou Gabriel.

 

– Oi amor, estou desculpa.

– Você esta longe hoje em, o que pensa essa cabecinha?

 

– Penso na nossa vida – disse abraçando-me a ele – Penso que quase estraguei tudo isso por nada.

– Não pense isso, você não iria estragar, eu te amo e nada que você fizesse iria mudar isso, nem que você tivesse fugido da clinica e de mim, eu iria atrás de você, iria te trazer de volta e eu sabia que esse amor iria te curar no final das contas!

 

– Você, você que é minha cura – disse beijando-o quando de repente senti  um líquido quente escorrendo pela minha perna a surpresa foi tão grande que até Gabriel percebeu.

– Amor o que foi? – Perguntou Gabriel assustado!

 

– Minha bolsa estourou!

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