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Capitulo 1

 

 

 

— Nossa Sophia como o dia esta quente hoje! — minha mãe Beatrice Lewis reclamou. Nós duas estávamos dentro da carruagem que nos levava até o centro da cidade.

 

— E que dia não esta quente no Arizona mamãe? — eu respondi brincando.

 

— Eu falo para o seu pai, eu ainda quero ir morar na Europa. Ouvi dizer que lá o verão é mais ameno, mais tranqüilo. Não é como aqui na America onde sofremos com esse calor infernal.

 

— Eu também quero um dia conhecer a Europa, dizem que não há paisagens mais bonitas como as da Itália. — comentei.

 

— Quem sabe o seu marido não a leve para conhecer?  Você sabe que eu e o seu pai estamos em busca de um bom partido para você.  A nossa família Lewis tem tradição e nome, nós não podemos uni-la a qualquer um. —  minha mãe disse.

 

— Eu ainda não sei por que eu não posso encontrar meu próprio marido. Eu tenho vinte anos, pelo amor de Deus. —  respondi exasperada.

 

— Você ainda não sabe o que é melhor para você. Eu e o seu pai sim, sabemos. Você já esta ficando velha para casar, eu na sua idade já estava grávida de Samuel.

 

— Eu sei, a Sra. já me disse isso, varias vezes. — respondi carrancuda. Eu era a filha caçula, Valentin tinha vinte e sete e já estava casado a tempos, e Samuel de vinte e quatro estava de casamento marcado.

 

— E com essa beleza exótica que você tem, não faltara pretendentes para se casar com você. — mamãe disse acariciando meu rosto.

 

    

 

   Todos me diziam que eu tinha essa beleza exótica, mas eu não me via desse jeito. Por mais que mamãe me obrigasse a usar os espartilhos bem apertados, eles não conseguiam esconder os meu atributos.  Sempre fui cheia de curvas, bem diferente das outras moças da cidade. Meus cabelos eram longos e castanhos, com alguns fios mais claros, resultado do tempo que eu passava no sol cultivando as flores do meu jardim favorito da fazenda.  Mas o que todos me elogiavam, eram os meus olhos, negros e marcantes. Meu pai sempre me falava que através dos meus olhos, ele via a minha alma pura, eu sempre adorei isso

 

 

    Minha mãe continuou falando;

 

 

 

 — O seu irmão Samuel só não se casou ainda por que estava ajudando seu pai com os assuntos das fazendas.  Aquela corja de ladrões estão sempre rondando nossas propriedades.

 

— Mamãe até quando essa rixa vai continuar? Eu já estou cansada dessa historia toda. – falei me referindo a rixa entre a minha família e os Patterson. Essa rixa vem acontecendo a anos e ambas as famílias tiveram perdas de entes queridos por causa dessa briga. O que meus pais disseram é que a anos atrás, meu avô tinha uma fazenda que foi invadida pelos Patterson, mas o que eu ouvi dos antigos funcionários da nossa fazenda, é que um jovem rapaz da família Patterson deflorou uma tia minha quando a mesma tinha apenas dezoito anos. Ela engravidou e meu avô a mandou para longe da família e do rapaz. Desde então as famílias vem se enfrentando e matando uns aos outros.

 

— Os Patterson são a escoria dessa cidade. Até que todos tenham saído da cidade, nós não vamos ter paz. — minha mãe disse me tirando dos meus pensamentos.

 

— Isso já aconteceu a tantos anos mamãe, esta na hora de deixarmos essas diferenças pra trás. — respondi.

 

— Não diga tolices menina, você é nova demais para entender as coisas. Não podemos deixar que os Patterson desonrem ainda mais o nome de nossa família. Temos que lutar por nossas terras e nossa honra.

 

    

 

   O condutor parou a carruagem indicando que havíamos chegado a cidade. Minha mãe estava eufórica com os preparativos do casamento de Samuel, hoje ela havia marcado com a modelista para tirarmos as medidas dos nossos vestidos.

 

 

 

—  Vamos, vamos! — Ela me chamou. — Madame Margot esta nos esperando.

 

 

 

    Madame Margot era uma modelista francesa, já com seus setenta e tantos anos, mas com uma capacidade incrível de fazer vestidos dignos de princesas. Até eu, que particularmente odiava as festas exuberantes que minha mãe dava, estava ansiosa para usar um vestido feito por Madame Margot.

 

 

 

    A cidade estava quente e cheia como sempre. Nos apressamos para chegar no horário previsto no ateliê da Madame. O ateliê era lindo, a frente dele era toda de vidros com alguns tecidos finos a mostra.

 

 

 

— Bonjour Madame! — Mamãe a cumprimentou, há dois meses mamãe contratou uma professora de Frances. Eu ainda não havia entendido a necessidade, mas mamãe sempre falava que saber Frances era chique.

 

— Bonjour mademoiselle Beatrice! Eu estava esperando por vocês. — Madame Margot respondeu com um forte sotaque. Mamãe a cumprimentou com dois beijos no rosto.

 

— Madame! — eu a cumprimentei.

 

— La petite fille ! Continua cada dia mais linda. — ela respondeu, eu não entendia muito bem frances, mas pude entender que ela me chamou de garotinha.  Ri com o elogio.

 

 — Madame, os tecidos chegaram ? — minha mãe perguntou.

 

 — Oui, sim. Chegaram ontem, vieram direto de Paris. Vamos ali atras tirar as medidas. — Madame respondeu.

 

— Sophia, eu vou primeiro, estou morrendo de calor. — mamãe disse.

 

— Va mamãe,  espero aqui. — respondi sorrindo.

 

 

 

   Fiquei olhando os tecidos expostos na vitrine e olhei distraidamente para fora, e foi quando eu o vi. O rapaz mais lindo que eu ja havia visto em toda a minha vida, um homem alto, dono de um corpo como de um deus grego, suas feições másculas, olhos azuis profundos, lábios meticulosamente desenhados, dono também de um sorriso encantador, com perfeitos dentes brancos, barba cerrada e cabelos castanhos ondulados. Seu sorriso derrubaria qualquer mulher com sangue nas veias. E arrancaria suspiros das mais recatadas.  Não conseguia parar de admira-lo,  nunca o tinha visto antes. Ele estava conversando com alguns homens e estava com uma pequena mala em suas mãos.

 

 

 “Sera ele um viajante?”  pensei.

 

 

 

 — Sophia! — mamãe chamou.

 

 

 

    Eu não queria ir,  queria ficar admirando a beleza daquele desconhecido.

 

 

 

 — Sophia! Venha logo aqui, Madame Margot precisa tirar as suas medidas.

 

— Eu ja estou indo! — gritei.

 

 

 

    Pela primeira vez na vida, senti um desejo incontrolável de conhecê-lo, conversar com ele, mas não era bem visto que uma moça tomasse a iniciativa.

 

 

 

—  Ah você esta admirando os tecidos! — mamãe apareceu me puxando.

 

— Sim, sim, são lindos. — falei tentando disfarçar o nervosismo na minha voz.  Aquele rapaz mexeu com algo dentro de mim.

 

 

 

    Mamãe me arrastou e Madame Margot tirou as minhas medidas.  Eu estava ansiosa para que ela terminasse logo,  precisava ver aquele rapaz novamente. Quando ela terminou, me vesti rapidamente e fui para a vitrine para vê-lo de novo, mas para a minha decepção ele ja havia desaparecido.

 

 

 

    Fiquei pensando no rapaz por todo o caminho de volta para a fazenda. Quem será ele? A imagem dele nao saiu de minha mente. A noite, após o jantar, eu estava na varanda lendo um dos meus livros favoritos.

 

 

 

 — Sophia, lendo de novo esse livro? — perguntou Claire, a governanta da fazenda. Ela trabalhava com a minha familia a muitos anos e me viu nascer.  Considerava Claire como minha segunda mãe.

 

— Sim, eu não consigo me desapegar  dele. — respondi sorrindo.  Ja havia lido esse livro várias vezes, Shakespeare retratava tão bem as emoções dos enamorados.

 

— Mas voce não me disse uma vez que se tratava de uma tragédia? Eles não morrem no final? — Claire perguntou.

 

— Sim, Romeu pensa que a Julieta esta morta e se suicida, e quando Julieta acorda de seu sono profundo e ve que seu único amor está morto, ela resolve se unir a ele e se suicida tambem.

 

— Meu Deus! Isso é muito triste. — Claire respondeu com a mão no coração. Ela era como eu, uma eterna romantica.

 

— É triste mesmo, mas a historia de amor que eles tiveram antes dessa tragédia, é muito linda. — respondi suspirando. Resolvi ler um trecho para Claire, para ela entender a profundidade da historia.

 

 

 

“Romeu, Romeu? Por que és Romeu? Renega teu pai e abdica de teu nome; ou se não o quiseres, jura me amar e não serei mais um Capuleto ... Teu nome apenas é meu inimigo. Tu não és um Montecchio, és tu mesmo ...  Ó! Sê algum outro nome! O que há num nome? O que chamamos uma rosa teria o mesmo perfume sob outro nome .... Romeu, renuncia a teu nome; e em lugar deste nome, que não faz parte de ti, toma-me toda!”

 

 

 

 — Que lindo! — Respondeu Claire limpando as lagrimas dos olhos.

 

— Eu disse que era lindo. Tome! — Eu disse entregando o livro para ela. — Leia e depois me diga o que achou.

 

 

 

 Eu havia ensinado Claire a ler, desde então ela sempre lia os livros que eu dava a ela.

 

 

 

— Obrigada menina Sophia.

 

— Claire, amanha você vai comigo na festa da cidade? — Perguntei.

 

— Se o Sr Lewis deixar, nós vamos sim. Mas você sabe que ele fará Samuel vir juntou não é? Ele jamais permitiria que fossemos sozinhas. — Claire respondeu.

 

— Sim, eu sei, vou pedir para o meu pai.

 

— Eu tenho certeza que você vai conseguir, ele sempre cede aos seus pedidos.

 

 Eu ri, pois sabia que era verdade, meu pai  Jackson sempre atendia aos meus pedidos, eu confesso que sempre usei meu jeitinho delicado para conseguir as coisas.

 

 

 

Me levantei e fui até a sala onde meu pai tomava uma dose de licor junto com meu irmão Samuel.

 

 

 

— Papai!

 

— Sim querida?  — ele respondeu.

 

— As festas de verão da cidade começarão amanha. Eu gosto tanto das festas da cidade! — eu disse com uma voz doce e sonhadora.

 

— Sim eu sei, estive falando com o prefeito hoje, ele me disse que esse ano, muitos cantores se apresentarão.

 

— Pois bem, me deixe ir papai?

 

— Minha filha, você sabe que estamos procurando um bom partido para você, não fica bem  ser vista sozinha no meio da cidade.

 

— Mas papai, Claire vai comigo. Por favor, eu acho tão bonito ver a cidade quando esta em festa.

 

 

 Ele parou para pensar um pouquinho e eu resolvi dar meu argumento final.

 

 

— Samuel pode ir conosco.

 

 

 

 Ele olhou para Samuel que fez que sim com a cabeça, eu sabia que Samuel também queria ir a festa de verão para ver a sua noiva, Judith.

 


— Então tudo bem. Você pode ir a festa amanha, mas Samuel vai ficar o tempo todo ao seu lado. — ele respondeu olhando para mim e para Samuel.

 

— Obrigada papai! — respondi dando um beijo em seu rosto.

 

 

 

    Fui me deitar e lembrei do rapaz que havia visto na cidade, eu ainda tinha esperanças de vê-lo de novo, e com alguma sorte ele estaria na festa de verão.

 

 

 

    No dia seguinte esperei ansiosa a noite chegar. Eu, Claire e Samuel fomos até a cidade. Estávamos em junho e a cidade estava arrumada para as festas de verão. Eu adorava essas festas, a noite a cidade ficava iluminada, alguns cantores forasteiros se apresentavam na pracinha, havia barraquinhas com diversos alimentos, doces, frutas. Eu estava eufórica, e ao mesmo tempo ansiosa procurando em todos os rostos para localizar o rapaz que ocupou meus pensamentos desde a hora em que o vi.

 

 

 

    Fomos até a pracinha para ouvir alguns cantores, eu estava entretida na musica quando tive a sensação que estava sendo observada, foi quando eu olhei para o lado que vi, o rapaz que eu tanto procurei estava olhando para mim. Quando nossos olhos se encontraram eu senti um arrepio, era como se nos conhecêssemos a muito tempo, o meu coração disparou e eu não conseguia desviar o olhar. Ficamos nos encarando por um longo tempo, a musica que tocava falava sobre um amor que rompeu as barreiras do tempo. Fui trazida a realidade quando ouvi a voz do Samuel me chamando.

 

 

 

— Vocês vão querer comer alguma coisa? — ele perguntou tocando o meu ombro. Percebi que imediatamente o rapaz desviou os olhos de mim.

 

— Eu adoraria um algodão doce. — respondeu Claire.

 

— Eu só quero um refresco. — respondi distraída.

 

— Eu volto em um minuto. — Samuel disse saindo em direção as barraquinhas.

 

 

 

 O rapaz voltou a olhar para mim, e sua feição era triste agora.

 

 

 

— Claire! — Chamei.

 

— Sim Sophia.

 

— Quem é aquele rapaz ali. – eu disse indicando com meu queixo.

 

— Eu não sei, nunca o vi por aqui. Deve ser um desses cantores viajantes. — Claire respondeu olhando para o rapaz. — Por que?

 

— Por nada não. — Respondi disfarçando.

 

— Menina Sophia, cuidado! Você sabe que seu pai esta a procura de um pretendente para você.

 

— Eu apenas estou olhando Claire, nunca tinha visto tal beleza em alguém.

 

— Realmente ele é um lindo rapaz, mas deve ser um viajante, então não de atenção.

 

 

 

   O rapaz não parava de olhar para mim e eu senti a minha pele ruborizar, eu precisava me acalmar. Claire tinha razão, eu não podia me apaixonar por um viajante.

 

 

 

— Claire, eu preciso ir ao toalete.

 

— Vamos, o prefeito disponibilizou os toaletes da prefeitura para a festa. — Claire me disse, me puxando para a prefeitura.

 

— Não, não precisa ir junto, eu vou rápido. O Samuel vai voltar e ficar preocupado se nenhuma das duas estiver aqui.

 

— Eu não posso te deixar ir sozinha, seu pai brigaria comigo.

 

— Papai não esta aqui agora Claire, eu prometo que não demoro.

 

— Então vá logo.

 

 

 

Eu fui em direção ao banheiro e chegando lá joguei um pouco de água em meu rosto.

 

 

 

 “Se recomponha Sophia” pensei.

 

 

 

   Alguns minutos depois, com o coração mais calmo, sai da prefeitura,  quando senti uma grande mão me puxando para um lugar mais escuro, meu primeiro instinto foi gritar, mas me acalmei quando vi o rosto do belo rapaz olhando pra mim.

 

 

 

 — Shhh não grite! – ele disse com uma voz grave. Ao ouvir sua voz senti um arrepio na espinha. – Mas é que ... eu preciso saber o seu nome. — ele disse.

 

 

 

 Eu fiquei muda por um instante, absorvendo todos os detalhes do seu rosto perfeito.

 

 

 

— Me diga o seu nome. — ele insistiu.

 

— Sophia. — eu consegui dizer em um sussurro.

 

— Sophia. — ele repetiu. Meu nome em seus lábios foi a coisa mais incrível que eu já ouvi. — Eu me chamo Henry.

 

 

 

 Eu estava tão encantada por ele que quase esqueci que Claire e Samuel estavam me esperando.

 

 

 

— Eu... eu preciso ir. — eu respondi infeliz.

 

— Sophia, aquele é seu marido? — Henry perguntou.

 

— Samuel? Não, ele é meu irmão.

 

 

 

 Um sorriso lindo se espalhou pelo seu rosto.

 

 

 

— Me diga Sophia, tem alguém a quem pertence o seu coração? — ele perguntou.

 

— Não. — respondi querendo dizer a ele “Sim, sim, sim, desde ontem meu coração pertence a você”. Mas com certeza ele me acharia uma tola por acreditar em amor a primeira vista.

 

— Então me diga quem é o teu pai. Quero pedir permissão para te cortejá-la.

 

 

 

 Uma onda de felicidade atingiu meu coração.

 

 

 

— Mas você não é um viajante? Eu nunca te vi por aqui. — eu disse confusa.

 

— Não, meus pais moram aqui, eu estava viajando a estudos. Mas voltei para ficar e encontrar uma mulher para casar. Até que eu encontrei você.

 

— Você nem me conhece. — eu disse sorrindo.

 

— Então deixe-me conhecê-la, por favor, me diga que me encontrara para nos conhecermos mais. — ele disse levando minha mãos aos lábios.

 

 

 

 Senti meu coração falhar por um segundo, aquele toque fez meu ventre se contorcer.

 

 

 

— Eu tenho que voltar até onde esta o meu irmão. Não ficaria bem se alguém nos encontrasse conversando tão perto.

 

— Vamos nos ver amanhã, aqui nesse mesmo lugar. — ele pediu.

 

— Eu não sei se meu pai deixara eu vir amanha. — respondi

 

— Eu estarei esperando por você. — ele disse tocando meu rosto.

 

— Esta bem, eu tentarei.

 

 

 

    Eu me afastei para ir embora, quando ele me puxou e me deu um beijo, meu primeiro beijo, seus lábios eram macios e delicados. Sua língua explorando lentamente a minha boca. Agora sim eu entendia o que as mocinhas dos meus livros favoritos descreviam. Todo o amor e o romance que um beijo transmitia. Quando nossas bocas se separaram, ele encostou sua testa na minha.

 

 

 

 — Tão linda como um anjo. Nós temos que ficar juntos Sophia.

 

 

 

 Eu não conseguia falar, minhas pernas estavam moles como gelatina.

 

 

 

— Eu... tenho que ir agora. — balbuciei.

 

— Amanhã! Me diga que vai me ver amanha.

 

— Sim, farei de tudo.

 

 

 

 Me afastei rapidamente e encontrei Claire preocupada me procurando.

 

 

 

— Sophia! Pelo amor de Deus onde você estava?

 

— Eu encontrei algumas amigas de mamãe, perdi a hora conversando. Onde esta o Samuel?

 

 

 

Claire parecia desconfiada, ela me conhecia muito bem.

 

 

 

— Ele foi atrás de você. Ah, ai esta ele.

 

— Onde diabos você estava? — ele perguntou furioso.

 

— Se acalme homem, eu estava conversando com algumas amigas.

 

— Você não pode andar sozinha por ai, papai me mataria se soubesse disso. Vamos eu estou faminto, vamos procurar algo para comer.

 

 

 

Quando Samuel estava comprando alguns biscoitos, Claire me olhou de uma maneira interrogativa.

 

 

 

— O que aconteceu?

 

— Nada. —  respondi.

 

— Menina Sophia eu te conheço desde que nasceu, eu sei que aconteceu alguma coisa. — Ela afirmou.

 

  

Sorri com a afirmação, Claire realmente me conhecia muito bem.

 

 

— Claire, você acha que existe amor a primeira vista? — perguntei.

 

— Não, não, amor vem com o tempo, com a convivência. Eu acredito em paixão a primeira vista, mas por que a pergunta?

 

 

 

 

— Por que eu acho que estou apaixonada...

A Disputa pelo Amor

 

Capitulo 2

 

— Não diga uma bobagem dessa menina, você não sabe o que diz! E como pode se apaixonar? Por quem você se apaixonaria? – perguntou Claire não acreditando em mim. Apenas olhei para ela com um sorriso estampado no rosto e por me conhecer tão bem ela rapidamente entendeu. — Não me diga que... Ah menina Sophia você não tem juízo, como pode se apaixonar por um viajante?

 

— Ele não é viajante, os pais deles moram aqui, ele voltou dos estudos a procura de uma moça para casar. – defendi.

 

— Se tem uma coisa que você precisa aprender menina é não acreditar no que os homens dizem. – aconselhou-me Claire.

 

— Você acha que ele mentiu pra mim Claire? Ele me pareceu tão sincero! – falei um pouco entristecida com a possibilidade de Henry ter mentido para mim.

 

— Eles sempre parecem menina, você deveria esquecer tudo isso, tire essa cara triste, lá vem seu irmão, ele vai perceber. – aconselhou Claire novamente.

 

         Fiz como Claire mandou e Samuel de nada suspeitou, mas se por fora eu apresentava um rosto sereno por dentro meu coração batia descompassado até aquele momento, não queria acreditar nas palavras de Claire e acabei por decidir que iria fazer de tudo para ir à festa no dia seguinte por mais que quisesse acreditar na experiência de Claire eu precisava revê-lo.

 

         A festa já não tinha a mesma graça, eu não conseguia prestar atenção em mais nada, sempre olhava ao redor para ver se o via novamente, Henry, o nome dele ficava o tempo todo se repetindo em minha mente e se eu fechasse os olhos poderia sentir outra vez o sabor daquele beijo.

 

         Um pouco antes de irmos embora Samuel se ausentara, sabia que ele tinha ido encontrar-se com Judith. Ele sim tinha sorte, era visível que os dois estavam apaixonados. “Judith seria uma boa esposa para o meu irmão”. – pensei.

 

         A hora de ir chegara e eu segui triste e ao mesmo tempo esperançosa de volta para nossa carruagem, triste por não ter visto mais Henry e esperançosa por poder vê-lo outra vez no dia seguinte.

 

         Chegando em casa, corri ao encontro de papai que me recebeu com um grande abraço.

 

— Como é bom ver minha flor tão feliz assim. – disse ele depois de me soltar do abraço. — Conte-me como foi lá meu bem.

 

— Ah papai, foi ótimo, a cidade estava tão linda! Havia tantos cantores, eu nunca vi tantos cantores juntos e suas músicas eram muito bonitas também! Podemos ir de novo amanhã papai?

 

— Não sei minha filha, talvez não. – respondeu papai.

 

— Por que papai? – perguntei.

 

— Sabe que não é bom para você ficar saindo todos os dias para essas festas Sophia.

 

— Mas papai, qual o problema? Claire poderá ir comigo outra vez e também Samuel, pode perguntar a eles dois, não ocorreu nada demais durante a festa, Samuel não saiu do meu lado um minuto sequer, ate quando precisei ir ao banheiro fomos os três juntos, Claire foi comigo e Samuel ficou me esperando do lado de fora.

 

— O que eu não faço para ver um sorriso seu mocinha? – disse ele concedendo. — Minha flor, tenho uma ótima noticia para você.

 

— O que é papai? – perguntei inocentemente.

 

 

— Hoje Willian Irving, um velho amigo do seu pai veio nos visitar, pouco depois de vocês partirem para a cidade, conversamos muito sobre o futuro das nossas famílias, e no final deste mês seu filho Joseph irá voltar da Europa para desposá-la. Eu e sua mãe assim como os pais do jovem Joseph concordamos que a união de vocês dois será benéfica para todos. Minha flor será a futura Sr Irving. Soa bem não é querida? – disse ele dando-me um beijo na testa. — Agora vá que sua mãe estava esperando você chegar da festa, vocês terão muito que conversar.

 

— Sim papai. – disse com uma tristeza na voz que meu pai não pôde perceber.

 

         Durante o restante da noite ouvi mamãe dando-me conselhos e mais conselhos sobre casamento e como tudo iria acontecer de agora em diante. Quando o jovem Joseph voltasse passaríamos a nos encontrar todas as noites em minha casa, até que fosse anunciado o noivado durante um jantar. Depois nos iríamos continuar a nos encontrar, só que agora com um pouco mais de privacidade, para podermos nos conhecer melhor, mas sempre alguém estaria por perto. Depois do casamento sim, poderíamos começar a construir nossas vidas juntos.

 

         Agradeci aos céus quando mamãe finalmente resolveu recolher-se para dormir. Finalmente poderia ficar a sós com minhas lembranças. Mal consegui dormir de tanta ansiedade. Iria reencontrar Henry amanhã.

 

 

 

         O dia passou com uma enorme lentidão. Fui a primeira a aprontar-me para ir à festa quando a noite começou a cair sobre o Arizona.

 

         Minha vontade era de mandar o cocheiro ir mais rápido, mas tinha que aguentar o ritmo lento em que avançávamos o que contrastava totalmente com meu coração acelerado e minha ansiedade. Quando finalmente chegamos fui a primeira a descer da carruagem.

 

— Você esta bem ansiosa irmã. – disse Samuel ao ver que eu não o esperara para que ele pudesse me ajudar a descer. Eu já estava indo em direção à praça.

 

— Assim como imagino que você esteja também querido irmão, pensa que não sei que se encontrara com sua amada noiva?

 

— Não sei do que está falando Sophia. – disfarçou Samuel. Não era correto se encontrarem sem ninguém conhecido por perto e foi justamente isso que fizeram no dia anterior.

 

— Não se preocupe Samuel, eu jamais faria nada para atrapalhar, serei sua cúmplice e nada direi, cuidarei para que Claire nada diga também, pode contar comigo. – disse querendo que ele passasse todo o tempo com Judith e me deixasse só com Claire, assim seria bem mais fácil sair para encontrar Henry.

 

— Como sou abençoado por ter uma irmã tão compreensiva meu Deus! – disse Samuel abraçando-me. — Não me demorarei Sophia, fique no mesmo lugar que estávamos ontem e quando der a hora de irmos irei ao encontro de vocês. — nesse momento Claire acabava de alcançar nos dois. — Claire, eu irei me ausentar por algum tempo, fique com Sophia e não saia de perto dela por nada. – disse Samuel.

 

         Samuel partira feliz, Claire e eu seguimos para a praça a fim de ver as apresentações que já começavam. Depois de algum tempo disse que estava com sede e pedi permissão a Claire para comprar um refresco em uma barraquinha próxima ao local onde nos encontrávamos.

 

         Claire de nada desconfiou e me deixou ir pedindo somente para que não demorasse e trouxesse um refresco para ela também.

 

         Prometi voltar logo, dei um beijo nela e sai. Tive que me conter para não correr em direção à prefeitura, local marcado de encontrar Henry.

 

Chegando lá não o vi em lugar algum, decepcionada decidi esperar um pouco. Esperei pelo que lhe pareceu uma eternidade, já estava prestes a me levantar para ir embora quando alguém me puxou de volta, já reconhecia seu perfume e me virei para ele com o mais lindo sorriso que poderia dar.

 

 — Te vi chegar minha bela Sophia, não sabe o quanto me alegrou te ver novamente, perdoe meu atraso meu pai veio comigo e estava me apresentando a algumas pessoas praticamente fugi para encontrá-la aqui. – disse Henry segurando-me pela cintura.

 

— Já estava prestes a ir embora. – disse fingindo estar muito chateada pelo atraso dele.

 

— Venha, vamos entrar aqui. – disse ele puxando-me pela mão em direção a uma porta onde se lia “Entrada Restrita aos Funcionários”. — Com a festa todos estão ocupados e ninguém virá aqui, e olha que maravilha está destrancada!– falou ele ao abrir a porta.

 

— Tem certeza que devemos? Não é apropriado a uma dama ficar a sós com um desconhecido nem em ambientes públicos o que dirá dos privados. – disse realmente preocupada.

 

— Não precisa temer Sophia, não lhe farei mal algum, só quero evitar que nos vejam aqui fora juntos. – argumentou Henry dando o seu melhor sorriso, sorriso esse que me convenceu a entrar.

 

         Ao entrarmos deparamo-nos com um corredor que levaria para as dependências dos empregados da prefeitura. Henry fechou a porta atrás de nós deixando-nos a meia luz, apenas um pouco de luz entrava pelas frestas do telhado devido à farta iluminação da festa.

 

         Estava nervosa por encontrar-me ali, mas tudo logo passou quando Henry tomou-me nos braços e me deu um beijo tão mais intenso e apaixonado quanto o da noite anterior. Mas depois passamos a maior parte do tempo conversando.

 

— Saí de casa ainda menino para estudar na Europa, meus pais sempre quiseram uma vida acadêmica para mim, assim como eu, ao contrario dos meus irmãos que nunca se interessaram. Voltei a poucas semanas, minha mãe ficou tão decepcionada por ver seu filho voltar completamente sozinho ainda. Mas ela ficara muito feliz quando souber que encontrei a mulher que sempre procurei. Viajei por praticamente todo o mundo para encontrar aqui aquela que tomaria meu coração para si. – disse ele acariciando meu rosto.

 

         Acabamos por descobrir que tínhamos muito em comum, Henry assim como eu adorava ler e seu livro preferido também era Romeu e Julieta. Foi tão bom conversar com alguém que entendia perfeitamente bem o que a gente sente.

 

         Perdemos a noção do tempo juntos naquele recinto até que pensei ouvir alguém chamar meu nome.

 

— Meu Deus! Henry eu preciso ir, devem estar me procurando. Tive a sensação de ouvir alguém chamando meu nome há poucos instantes. – disse saindo dos braços de Henry.

 

— Prometa que me encontrara outra vez. – pediu ele segurando minhas mãos.

 

— Não sei como Henry, mas sim, eu prometo. – falei indo em direção à porta.

 

— Diga-me onde você mora Sophia, diga-me seu sobrenome, irei até seu pai, eu já falei, fingiremos não nos conhecer, direi que te vi na festa e procurei descobrir quem era a moça mais linda de todo Arizona.  Já estive em muitos lugares, mas foi em casa que encontrei a flor mais preciosa que já existiu. Diga-me Sophia que irei lá amanhã tão logo comece o dia.

 

         Nesse momento ouvi outra vez alguém que me chamava.

 

— Sophia não vai me responder? Vai me deixar sem saber por quem meu coração bate? Suplico-lhe! Diga-me onde você mora ou seguirei sua carruagem quando você partir. – gritou Henry ao me ver abrir a porta.

 

— Vá à fazenda dos Lewis Henry, é lá que moro, sou filha de Jackson Lewis. Esperarei por você amanhã. – disse voltando para lhe dar um rápido beijo.

 

         Ao sair de onde estávamos logo encontrei Samuel que perguntava por mim a um senhor que ia passando, pude ver a preocupação em seus olhos e o alivio ao me ver.

 

— Sophia! Onde você esteve? Estava como um louco te procurando. – disse ele me segurando pelos ombros quando me alcançou.

 

— Eu saí para comprar um refresco para mim e para Claire, mas na hora de voltar eu já não sabia que direção seguir... – disse fazendo uma cara de quem estava confusa. – Então perguntei como chegar à prefeitura, pois era mais certo de vocês me encontrarem por aqui.

 

         Voltamos para casa em silêncio, Claire estava chateada comigo, pois sabia perfeitamente bem onde eu estava.

 

         Naquela noite não dormi um minuto que fosse não conseguia esquecer-se das palavras de Henry, dos seus beijos, do seu perfume. A cada hora que se passava tinha mais certeza de que era com ele que deveria passar todo o resto da minha vida.

 

         Tão logo amanheceu sentei junto à janela, não via a hora de Henry chegar para declarar seu amor por mim aos meus pais. Não sentia o os efeitos da noite em claro, mas conforme as horas avançavam e a noite ia chegando minhas esperanças iam minguando e o cansaço ia finalmente se fazendo presente.

 

         Todos na casa perguntavam pelo que tanto eu esperava, mas dizia que, apenas estava com vontade de me sentar à janela e bordar. Quando viram minha aparência triste ao fim do dia todos julgaram que eu havia adoecido por passar tantas horas ao vento. Aproveitando-me disso pedi para que o meu jantar fosse servido no quarto, e ninguém fez objeção alguma.

 

         Claire sempre ficava incumbida de cuidar de mim quando estava doente, desde criança era assim. Não era preciso dizer o que tinha para Claire saber. Depois de por o jantar ao lado da cama ela sentou-se ao meu lado e fui imediatamente para o seu colo. Não pude conter as lágrimas que começaram a cair.

 

— Ele disse que viria hoje Claire. Por que ele não veio? – perguntei como se ela pudesse me dar à resposta.

 

— Menina, eu sempre lhe falei, a paixão não foi feita para viver de verdade, é muito lindo ler nos livros, mas na realidade ela dói.

 

— Eu só queria entender. – falei amargurada.

 

         Claire me fez comer um pouco e depois me ajudou a trocar a roupa para ir dormir e só saiu do quarto quando viu que eu já havia adormecido. O que na verdade tive que fingir para que ela pensasse que eu já havia dormido. Depois que ela saiu ainda levei algum tempo, não queria dormir, mas duas noites em claro eram demais para mim. Nem percebi quando finalmente o sono veio.

 

         No meio da madrugada acordei com algo batendo contra a janela. Permaneci deitada sem saber se havia apenas imaginado o barulho, mas logo pude ouvir novamente, me sentei na cama totalmente desperta, o que poderia ser não sabia, mas desejava muito que fosse meu sonho se realizando. Fiquei olhando para a janela, e logo ouvi aquele barulho outra vez, estavam jogando pedras em minha janela. Levantei rapidamente correndo em direção à janela para abri-la e pude ver feliz Henry iluminar-se num sorriso ao me ver.

 

         Abri a janela e me inclinei por sobre a sacada. A distância não era tão grande, dava para conversar.

 

— Henry o que faz aqui!? – perguntei aos sussurros.

 

— Eu disse que viria te ver não disse? – respondeu ele.

 

— Mas não era para você ter vindo pela manhã?! Te esperei o dia inteiro em vão. – queixei-me.

 

— Perdoe-me minha flor, mas não poderia vir, então vim agora, pois precisamos conversar, se você ainda quiser. – disse ele procurando um meio de subir.

 

         Ao vê-lo subir ate a janela meu coração disparou, imediatamente lembrei de Romeu e Julieta. Nunca em meus mais ousados sonhos imaginei que um dia fariam isso por mim.

 

Henry encontrou apoio para poder conversar sem ter que entrar, seria mais fácil esconder-se se alguém aparecesse.

 

— O que gostarias de me dizer Henry? Primeiramente explique-me por que quebrou sua promessa? – perguntei tentando conter as lágrimas que insistiam em querer voltar, mas desta vez de alegria por vê-lo ali por mim.

 

— Sophia, eu sou filho de Richard Patterson! E acho que você deve saber muito bem o que isso quer dizer. – disse ele indo direto ao assunto e observando a minha reação.

 

         Dei um passo para trás automaticamente, sempre ouvira que deveria manter toda distancia possível de um Patterson.

 

— Não pode ser! – disse virando-me de costas para ele, — Henry Patterson! Estou apaixonada por Henry Patterson! Oh meu Deus! – falei para mim mesma.

 

— Sophia minha querida, vire-se para mim, olhe em meus olhos e escute o que tenho pra te dizer antes de odiar-me como todos dizem que você deve fazer. – disse ele saltando a mureta que nos separava e tocando em meu ombro. Fechei os olhos ao toque de Henry, sabia que enfrentaria dificuldades, mas jamais imaginei que elas seriam tão grandes. Virei-me por fim para encarar olhos suplicantes de compreensão e esperei o que quer que ele tivesse para dizer.

 

— Eu nuca concordei com essa briga inútil, pra mim ela é desnecessária e sem sentido. E eu estou perdidamente apaixonado por você Sophia. Eu não vou deixar nada me impedir de ficar com você! – disse Henry.

 

         Eu não sabia o que dizer, por um minuto achei que estaria tudo acabado e que ele estava ali para dizer que deveria esquecê-lo, mas pelo contrario, Henry tinha reafirmado seus sentimentos e fui capaz de sentir toda a sinceridade do mundo em suas palavras.

 

 — Faço minhas suas palavras! Jamais julguei racional tal disputa, e alegra-me imensamente saber que você pensa como eu. – disse abraçando-me a Henry.

 

         Henry me beijou apaixonadamente. Mas logo foi embora, alguém poderia aparecer, meu pai sempre vinha até meu quarto para ver como eu estava antes de ir deitar-se e como tinha adormecido muito cedo não tinha noção do tempo e não sabia dizer se ele já passara por ali.

 

         Henry partiu com a promessa de voltar na noite seguinte e assim foi nas noites seguintes Henry sempre me visitava após todos terem ido dormir. Sempre passava o dia esperando por esse momento. Acordava feliz todas as manhãs e à medida que a noite caia minha felicidade parecia aumentar. Henry sempre me trazia flores e cartas, e eu as guardava com todo cuidado debaixo da minha cama.

 

        

 

         Tudo parecia perfeito até o dia em que papai me avisara que Joseph chegaria da Europa no final de semana seguinte. Naquela noite contei a Henry sobre o rapaz. Henry quis que fugíssemos, mas eu não tinha certeza se era realmente o melhor a se fazer.

 

         Cada noite que passávamos juntos era mágica. A cada noite nosso amor se reafirmava, perdíamos a noção do tempo nos braços um do outro, porem tínhamos todo o cuidado do mundo para não sermos flagrados seria o fim se descobrissem que eu o recebia em meu quarto durante a noite.

 

         Tudo corria bem minha família era bem metódica e todas as noites íamos dormir sempre no mesmo horário, era o que fazia nosso plano sempre dar certo. Eram raras as vezes que alguém ficava acordado até altas horas da madrugada.

 

         Em uma determinada noite, Henry já se preparava para ir embora, já tinha passado para o outro lado e eu o abracei pela ultima vez quando vi Samuel apontando no inicio da estrada e para ir embora Henry teria que passar por ele. De onde ele poderia estar vindo uma hora dessas? Mas não podia parar para pensar nessas questões agora.

 

— Oh Céus meu irmão! Venha Henry! – sussurrei puxando Henry de volta para dentro da sacada. Por sorte caímos sobre os travesseiros que sempre colocávamos ali a fim de ficarmos deitados admirando as estrelas. Quando senti o corpo de Henry por cima do meu, não pensei em outra coisa a não ser beijá-lo. Henry tomou meu rosto em suas mãos e me deu o mais inesquecível beijo de todos. O desejo ali contido era inebriante, um pouco mais e eu perderia toda a noção e compostura, suas mãos passeavam pelo meu corpo provocando sensações nunca sentidas, minhas mãos pareciam terem ganhado vida própria, pois passeavam por sobre o corpo de Henry de uma maneira que sempre imaginei, mas nunca tive coragem de fazer.

 

— Minha Sophia, eu te quero tanto, não me beije assim, ou não serei capaz de me conter. Só Deus sabe o esforço que é vê-la todas as noites sem poder tocar seu corpo. Para um homem  isso é tão difícil quanto tentar parar de respirar por vontade própria, essa é a maior prova de amor que eu posso te dar, o respeito, mas se continuares a me jogar por cima de ti não sei por quanto tempo resistirei. – disse ele olhando profundamente em meus olhos.

 

         Estava prestes a dizer que eu não mais me importava com respeito, pois por bem ou por mal eu seria dele e de mais ninguém quando um barulho vindo do corredor nos chamou atenção.

 

         Levantamo-nos rapidamente, olhei para fora e Samuel continuava ali, os passos se aproximavam cada vez mais, pelo que conhecia só poderia ser meu pai.

 

— E agora meu amor?! Se descer dará de cara com meu irmão, se ficar poderá dar de cara com meu pai! – falei aflita sem saber o que fazer.

 

— Não tenha medo, eu saberei enfrentar o que me vier. – respondeu ele.

 

— Não seja tolo não podem te ver aqui, por mais que consiga sair vivo deste quarto me mandarão para bem longe de você! Venha esconda-se aqui. – disse empurrando-o para detrás da janela. – Abaixe-se para que meu irmão não o veja, mas não se estique, manterei  meu pai ou quem quer que venha pelo corredor de costas para este lado.

 

         Tão logo Henry posicionou-se no lugar indicado, sentei-me por sobre os travesseiros e fingi admirar o céu, não demorou nem um minuto, meu pai abria a porta e entrava em meu quarto.

 

— Ainda acordada minha flor?! – disse ele ao me ver.

 

— Papai? Pergunto-lhe o mesmo. – falei fingindo surpresa e levantando-me para ir até ele. – o que impediu teu sono? – perguntei beijando sua mão.

 

— Não sei, talvez a noite esteja quente demais para se dormir. O que fazia minha flor fora de sua cama tão tarde da noite? Não tem medo de pegar um mal ficando ao vento da madrugada? – perguntou ele.

 

— Acredito que o mesmo mal que lhe acomete repete-se comigo papai, não consegui dormir, então coloquei meus travesseiros na sacada para admirar as estrelas enquanto o sono não vem.

 

— Também gosta das estrelas? Como parece com sua mãe minha querida. – disse ele para o meu desespero seguindo em direção à janela. – ela também tinha esse problema para dormir e olhar as estrelas sempre a acalmava.

 

         Corri para impedir que ele chegasse ate onde Henry estava e notei perplexa que ele não estava mais ali.

 

— Exatamente o que acontece comigo papai, olhar as estrelas sempre me acalma. – falei ficando de costas para a mureta, pois vi as mãos de Henry, ele estava agarrado junto à sacada. Tinha que tirar papai dali, pois não sabia se Samuel já tinha entrado e se papai o visse iria chamar-lhe. Sem falar no risco que Henry corria de ser visto por meu irmão se permanecesse onde estava. — Mas, quando o senhor chegou papai, eu já estava prestes a me recolher, poderia me ajudar? – perguntei entregando-lhe três dos travesseiros que estavam aos meus pés. Ele os pegou e seguiu até a cama para deixá-los lá enquanto eu pegava os dois restantes e fechava a janela com cuidado para não fazer barulho a fim de ajudar Henry a sair de onde estava.

 

— Venha minha querida, deite-se que eu lhe cobrirei. – disse papai com os braços estendidos convidando-me para um abraço.

 

— Ah papai, gosto tanto quando o senhor faz isso! Me faz lembrar de quando eu era criança e o senhor me trazia para a cama depois que eu adormecia na sala depois de tanto brincar. – disse abraçando-o.

 

— Minha pequena flor, você cresceu tão rápido. – disse ele beijando o topo da minha cabeça.

 

         Deitei-me para que papai me cobrisse e logo saísse dali e quando ele finalmente saiu aguardei seus passos se afastarem o suficiente para que ele não me ouvisse. Joguei os lençóis para o lado e corri até a janela. Henry estava lá onde inicialmente eu o havia deixado.

 

— Oh meu amor que loucura! – falei sussurrando para que Samuel não ouvisse.

 

— Seu irmão já se foi Sophia. – disse ele em tom normal e abraçando-me.

 

— E por que você ainda esta aqui meu amor?! – perguntei.

 

— Eu não podia ir sem me despedir de você. – disse ele tomando meu rosto em suas mãos outra vez.

 

         Depois de um beijo suave e tranquilo Henry se foi, me deixando a sós com o desejo de permanecer a seu lado. Deitei-me novamente, desta vez para dormir, ainda podia sentir o sabor de seus beijos, porem uma triste lembrança me veio de repente. Joseph estaria de volta ao Arizona àquela manhã.

 

 

No dia seguinte minha casa estava agitada, quando acordei  já passavam das dez da manhã. Levantei-me um pouco espantada com tanto burburinho e criados que iam e vinham de todos os cômodos.  Quando cheguei na cozinha para o café da manhã Claire estava agitada.

 

— O que está acontecendo, Claire? – ela me olhou interrogativamente – Ah, desculpe, bom dia!

 

— Pergunte a sua mãe criança. – ela se virou novamente – Eu apenas cozinharei.

 

         Estranhei o comportamento e Claire, ela sempre foi tão solicita comigo, mas dessa vez ela se fechou. Terminei meu café em silencio e fui procurar minha mãe que estava em seu quarto com outra criada. Minha mãe estava nervosa, mandava que ela trocasse todas as roupas de cama, e as toalhas de mesa, cortinas.  Quando minha mãe percebeu que eu a olhava se virou e sorriu amigavelmente. Bem diferente da forma em que ela falava com Cecil, a criada.

 

— Você acordou querida! – minha mãe veio até mim – Finalmente!

 

— O que está acontecendo.

 

— Seu pai marcou um jantar com os Irving, não é maravilhoso querida?! Eles virão para o  jantar, para que você e seu noivo Joseph se conheçam. Dizem que ele é um rapaz muito bonito, tem boa educação, letrado...

 

                Eu revirei os olhos enquanto mamãe falava. Eu quase podia acreditar que ela quem iria se casar, mas infelizmente não se tratava dela. Meu coração automaticamente viajou até Henry. Porque nossas famílias tinham que ser inimigas? Porque não podíamos viver nosso amor em paz? Oh Céus!  Me dei conta que novamente ele viria novamente aquela noite, e como era hábito, depois do jantar os homens iriam para o rotineiro costume onde eles fumam e falam de negócios, e sabe-se lá que horas isso terminaria. Henry poderia ser surpreendido e isso não acabaria bem.

 

— Sophia... Sophia, onde você está com a cabeça menina? – mamãe chamou-me atenção.

 

— Ah, nada. – tentei disfarçar – Apenas fiquei tentando imaginar como será esse tal Joseph.

 

— Mesmo que ele seja lindo como dizem, não demonstre empolgação – mamãe disse com sua expressão de rainha da casa. Ela tinha realmente nascida pra isso. Era elegante, fina e seu nariz empinado deixava claro quem mandava ali. – Não ficaria bem para uma moça de família mostrar deslumbre.

 

— Entendi! – eu dei um beijo em seu rosto – Agora preciso conversar com Claire.

 

— Converse comigo Sophia, eu sou sua mãe. É comigo que você tem que tirar suas duvidas, se abrir. Sua lealdade é para comigo e nós devemos ser as melhores amigas. – Fitei minha mãe por alguns segundos. Será que ela me compreenderia? Me apoiaria? Duvido muito! Ela era fiel demais ao meu pai e aos princípios da família.

 

— Não seja boba mamãe! Não irei falar com ela sobre Joseph. – disfarcei – Falarei sobre um livro.

 

— Ora Sophia, hoje não é dia para livros! – ela pegou minha mão e me puxou – Venha, vamos até seu quarto escolher seu vestido para essa noite.

 

                Passamos praticamente a manhã toda no meu quarto e quando pensei que teria algum tempo livre com Claire, para pedir que ela me ajudasse com o problema a respeito de Henry, minha mãe fez duas criadas encherem o tonel e colocarem pétalas de flores, me darem banho, lavar meu cabelo, tudo pra que eu ficasse apresentável. Com isso, se foi metade da tarde. Quanto mais a noite se aproximava mais meu coração apertava e o medo me consumia. Nunca me perdoaria se algo acontecesse com Henry. Eu sabia que Joseph chegaria naquele dia, mas jamais imaginei que o jantar seria marcado para mesma ocasião.

 

                O sol já começava a se por quando eu consegui finalmente me desvencilhar de mamãe. Eu estava parecendo uma boneca de porcelana, com um vestido chá todo bordado, meu cabelo parecia de boneca, todo cacheado e mamãe me fez usar um chapéu combinando, mas o que incomodava mesmo era o espartilho. Ela havia apertado tanto que eu estava me sentindo sufocada.

 

                Cheguei à cozinha e Claire estava terminando os últimos detalhes do jantar. Ela havia assado um leitão e feito muitos acompanhamentos.

 

— Claire, você precisa me ajudar.

 

— Tudo que eu preciso criança, é terminar esse jantar. – ela me encarou – Nem me venha com esse olhar Sophia. O que você está aprontando?

 

— Lembra-se do Henry?

 

— O viajante?

 

— Ele não é viajante! – ela parou o que fazia e me olhou nos olhos, duvidando de mim – Não importa. Ele tem vindo aqui todas as noites e...

 

— O que você está me contando?! – Claire se sentou e me encarou com seu semblante começando a empalidecer – Céus criança! O que vocês fizeram? Ele a desonrou...

 

— Não Claire! – eu não contive uma risada – Henry me respeita. Nós apenas conversamos e beijamos...

 

— Beijam?! – ela colocou as mãos sobre a face como se aquilo fosse o maior absurdo do mundo.

 

— Por favor, Claire, não seja antiquada. – ela agora me olhou como se eu a tivesse ofendido.

 

— Não sou antiquada Sophia. – ela agora estava carrancuda – Se esse moço realmente a respeitasse ele já teria vindo aqui falar com seu pai.

 

— Mas isso é impossível! – ela me olhou interrogativamente – Ele é um Patterson!

 

— Céus criança! Você não está no seu juízo perfeito! Um Patterson?!

 

— Preste atenção Claire, por favor. Se Henry vier hoje, corre o risco de ser pego e eu nem quero imaginar... Meu pai... Os criados... Podem matá-lo. – pensar nessa possibilidade fez meus olhos se encherem de lágrimas.

 

— Isso seria o fim dos seus problemas. – ela disse tentando fingir que era a melhor coisa, mas eu pude ver em seus olhos que ela não pensava assim.

 

— Por favor, Claire, eu só quero avisa-lo para não vir.

 

— Você sabe que eu não posso te ajudar criança. – ela se levantou novamente indo até a pia terminar o que eu havia interrompido – Eu mesma iria até lá, mas tenho que servir o jantar.

 

Capitulo 3

 

— Me ajude, eu só posso contar com você Claire. – meus olhos suplicavam a compreensão dela. Ela sempre me entendera, sempre fora uma boa ouvinte e boa amiga.

 

— Vou mandar Joshua. – ela disse num suspiro – Mas reze para seu pai não precisar dele.

 

                Eu dei-lhe um beijo de agradecimento e voltei para sala. Poucos minutos depois vi Joshua saindo a cavalo. Ele era criado do meu pai há muitos anos, apesar de ser mais novo que eu. Sua mãe era empregada do meu pai, e morreu no parto. Quando Claire se propôs a tomar conta dele, meu pai ficou com ele, desde então Joshua era quase como se fosse um membro da família, assim como Claire.

 

                Meu coração se aliviou depois que ele saiu e até a família Irving chegar, ele ficou calmo. Assim que passaram pela porta e eu pude dar uma boa olhada, disfarçadamente em Joseph percebi porque minha mãe não poupou elogios ao rapaz. Era mesmo muito bonito. Pele morena clara, cabelos arrepiados, olhos azuis, mais não chegava nem próximo ao meu Henry. Dei um leve sorriso com aquele pensamento, mas me contive para que ninguém percebesse.

 

A mãe de Joseph era extremamente arrogante. Olhou-me e avaliou-me a noite toda. Me fez perguntas, que claro tanto minha mãe quanto Claire, já haviam me preparado para responder. Mas o que me deixou intrigada foi o próprio Joseph. Ele parecia pouco interessado, seus olhos vagueavam pela escuridão do lado de fora da janela e parecia que ele estava sempre disperso.

 

                Como já haviam me dito, nós não pudemos nos aproximar e isso pra mim foi um alivio. Quando o cocheiro veio para levar a Sra. Irving embora, como eu desconfiei, Joseph e seu pai ainda continuaram na fazenda, falando assuntos “de homens” com papai.

 

                Claire veio até meu quarto antes de me deitar e me entregou um bilhete. Meu sorriso se abriu, pois imediatamente eu soube que era de Henry. Assim que ela saiu, eu o abri.

 

 

 

Senti ciúmes quando seu criado veio me avisar do tal noivo.
Preciso te ver, preciso me encontrar com você.
Preciso saber que você ainda me ama para poder continuar respirando,
ou se simplesmente quebrará meu coração em milhões de pedaços e eu terei que deixar de viver, se você disser
que se casará com esse Irving.

 

Se ainda me ama, me encontre na cachoeira da reserva amanhã as nove.
Para sempre seu,
Henry.

 

 

 

                Eu tive que reler o bilhete inúmeras vezes. Cada vez que lia, meu coração se aquecia e um largo sorriso se abria em meu rosto. Ele me amava tanto, que tinha medo de me perder.

 

                No dia seguinte acordei muito cedo. Fui até a cozinha e peguei algumas sobras de bolo que Claire tinha feito pra noite anterior e enchi uma garrafa de barro com café, coloquei em uma bolsa junto com alguns livros, uma toalha e saí ao encontro de Henry. Por algum milagre meus pais ainda dormiam, Samuel já havia saído pra sua cavalgada matinal, então eu só tive que distrair Claire, o que não foi muito difícil.

 

                A cachoeira ficava um pouco afastada da fazenda, mas eu não me incomodei de andar. Quando cheguei Henry estava abaixado perto do riacho, lavando o rosto. Seu cavalo estava amarrado na árvore e ele estava ainda mais lindo sob a luz do dia. Exatamente quando eu o vi pela primeira vez.

 

                Ao me aproximar chamei seu nome. Quando ele se virou abriu seu lindo sorriso e eu pude ver a admiração em seus olhos, como se eu fosse um raio de sol que veio alegrar seu dia. Henry correu ao meu encontro e me abraçou apertado dizendo palavras doces ao meu ouvido.

 

— Fico imensamente feliz de ter ver aqui minha flor. – ele disse acariciando meu rosto – Senti um medo terrível que você não aparecesse.

 

— Não havia chances de isso acontecer Henry. – eu acariciei seu belo rosto – Venha, trouxe café da manhã para nós.

 

                Tirei uma pequena toalha de dentro da bolsa e coloquei o bolo e o café, depois peguei duas pequenas xícaras e nos servi. Enquanto bebíamos e comíamos não conversávamos, nossos olhares apenas se prendiam por várias vezes e me ver refletida naqueles lindos olhos azuis, me fez  sentir todo amor e paixão que havia entre nós. Dei um risinho e desviei o olhar.

 

— Do que você ri, doce Sophia?

 

— Parecemos Romeu e Julieta.

 

— Sim, mas sem a tragédia. Não permitiria que mal nenhum acontecesse a você. – enquanto ele falava se aproximou de mim, tirou a caneca da minha mão e ficou a centímetros da minha boca. – Você é meu próprio ar Sophia, como eu poderia viver sem você?

 

                Depois que Henry disse isso nos perdemos nos lábios um do outro. Eu amava o contato de nossa pele fina e úmida. Ele deitou por cima de mim e lentamente acariciamos nosso corpo, suas mãos percorrendo meu colo, sua boca descendo pelo meu pescoço. Eu sabia que não devíamos, sabia que se descobrisse o que estávamos fazendo eu jamais me casaria com ninguém. Seria mal falada por todos da cidade, mas eu não me importava eu o amava e queria estar ali com ele. Exatamente daquele jeito.

 

                Lentamente Henry desceu a mão pelo meu vestido e o suspendeu, nossas bocas permaneciam coladas e nosso beijo apaixonado. Enquanto me perdia nos braços do meu amado, tudo pareceu mais bonito e a luz do sol abençoava nossa união, aquecendo nossos corpos já quentes de desejo.

 

                Quando terminamos de nos amar, ficamos deitados um ao lado do outro em silencio, ouvindo apenas o som da natureza e da nossa respiração.

 

— Está calada. – Henry quebrou o silencio – Está tudo bem?

 

— Eu acho que sim. – minha voz saiu apreensiva – O que fizemos...

 

— Nós apenas nos amamos Sophia.  – ele apoiou em um cotovelo e me encarou – Eu te amo, e eu precisava disso. Precisava sentir que você me amava, dos nossos corpos unidos. Agora ninguém mais nos separa.

 

— Mas... – palavras de minha mãe e Claire passavam pela minha cabeça. E se agora, depois dele ter conseguido o que queria, não voltasse a me procurar? – Não me entenda mal Henry, foi maravilhoso e eu amei cada momento, mas e se você agora não me quiser mais?

 

— Se esse é o motivo dessa linda ruguinha na testa, pode desfazendo-a. Não há a menor chance de isso acontecer doce Sophia. E para te provar, nos encontraremos amanhã aqui, no mesmo horário. – Henry sorriu e me beijou.

 

                Fui pra casa naquele dia apreensiva. Meu coração queria acreditar no que ele tinha dito, mas a incerteza ainda estava presente em meus pensamentos.

 

                Quando cheguei em casa meu pai estava sentado na varanda, conversando com dois capatazes.

 

— Ela está aqui! – Ele anunciou assim que me viu – Onde você estava menina? – ele disse rispidamente, mas eu pude ver o alivio em seus olhos.

 

— Não muito longe daqui papai. – eu me aproximei e o beijei – Eu acordei cedo demais e resolvi caminhar. Até que me cansei e parei debaixo da sombra de uma árvore para descansar e acabei me perdendo na leitura. – tirei meu livro de dentro da bolsa e mostrei  a ele.

 

— Você quase nos matou de susto menina. – ele disse apontando para ele e minha mãe, que a essa hora já estava na varanda conosco. Depois me abraçou apertado e a culpa me corroeu, por outro lado fiquei feliz do meu pai ter acreditado na minha mentira.

 

— Desculpe, não saio mais sem avisar. – dei outro beijo em seu rosto e entrei.

 

 

 

                No dia seguinte me encontrei novamente com Henry. Como no dia anterior, ele havia chegado primeiro. Contei para ele da reação do meu pai e achamos melhor não nos encontrarmos todos os dias, até conseguirmos uma solução para nosso problema.

 

                As semanas foram passando e sempre dávamos um jeito de nos ver. O riacho próximo a cachoeira virou nosso lugar. Nos encontrávamos e nos amávamos debaixo daquela árvore, ouvindo o som da natureza e depois conversávamos muito. Eu estava cada vez mais apaixonada e não poderia me imaginar com mais ninguém além de Henry. Ele era minha alma gêmea e eu a dele.

 

                Quando nos víamos na igreja da cidade aos domingos, tentávamos manter a descrição, apesar da intensa troca de olhares, mas a vontade que tínhamos era de correr um para os braços do outro na frente da cidade inteira. Não aguentávamos mais ficar escondidos, não estávamos fazendo nada de errado. Apenas nos amávamos.

 

                Naquele domingo em particular, tivemos outro jantar com a família Irving e o casamento foi marcado para três meses. Em quinze dias haveria uma festa de noivado. Apesar dos sorrisos amarelos no rosto, era visível que nem eu, nem Joseph estávamos contentes com o compromisso.

 

                No dia seguinte quando eu e Henry nos encontramos no nosso lugar habitual, eu cheguei cautelosa. Precisava contar a ele sobre a data do casamento, mas ele estava diferente. Seus olhos estavam opacos e eu percebi seu aborrecimento.

 

— O que aconteceu querido?

 

— Nada! – ele cuspiu ainda com os olhos perdidos na água que caía da cachoeira um pouco mais adiante.

 

— Ora Henry eu te conheço. Sei que algo lhe preocupa. Se você não quer falar, eu respeito. – eu disse tristemente. Eu precisava contar a ele, mas não antes dele me dizer o que o aborrecia – Mas também não há necessidade de ser grosso.

 

                Ele me encarou com os olhos mais suaves e veio rapidamente para perto de mim. Me abraçou apertado e ficamos assim um tempo, até que ele me soltou e desabafou:

 

— Perdoe-me minha flor, não queria descontar em você. – ele passou as mãos pelo cabelo exasperado – Meu pai veio com conversa de casamento e diz que já tem até uma noive em vista, que apenas precisa conversar com o pai dela. – ele balançou a cabeça negativamente – Eu reclamei, argumentei. Disse que não queria me casar, que não me casaria e isso gerou uma terrível briga lá em casa.

 

— Isso é tão irritante! – eu desabafei – Quando nossos pais vão permitir que nós mesmos escolhêssemos nossos cônjuges?

 

— Não sei doce Sophia – ele segurou minha mão – Mas eu jamais me casaria com outra que não fosse você.

 

— Nem eu! – eu o abracei apertado.

 

— Então venha comigo querida. Vamos fugir daqui. Eu tenho amigos por todo país. Podemos ir pra algum lugar onde apenas nós mesmos possamos ditar nossas regras. – ele suspendeu meu rosto para que eu o encarasse – Seja sincera Sophia, você acha mesmo que há alguma possibilidade de que nossa família vá permitir que fiquemos juntos? – eu balancei a cabeça negativamente – Então minha flor, não podemos nos separar. Venha comigo e eu cuidarei de você. Tenho algumas reservas e não sou invalido. Posso trabalhar, e você pode ensinar as pessoas a ler. – ele sorriu alegremente – Só de imaginar nossa vida juntos, meu coração se aquece.

 

— Tudo bem! – eu disse num suspiro e Henry me olhou espantado. Eu não precisava pensar muito. Depois do casamento com data marcada, minha única saída era fugir com meu grande e verdadeiro amor.

 

— Repete, por favor. – ele pediu.

 

— Eu disse “tudo bem”, vamos fugir. – eu abri um grande sorriso para ele – Eu vou com você meu amor.

 

— Ah Sophia, você acaba de me fazer o homem mais feliz do mundo. – Henry me beijou apaixonadamente e nos amamos mais uma vez.

 

                Quando nos despedimos naquele dia, não foi como das outras vezes que teríamos que esperar pra nos ver e ficar nos escondendo. Nos veríamos amanhã. Iríamos embora para sempre, apenas para sermos felizes.

 

                Assim que entrei na fazenda encontrei o capataz de meu pai. Ele me encarou com uma carranca no rosto, mas eu estava feliz demais pra me preocupar e o ignorei. Entrei e fui direto pra cozinha. Assim que entrei Claire me olhou séria.

 

— Tudo bem Claire?

 

— Me diga você criança.

 

— Sim, estou ótima.

 

— Onde você estava? – ela perguntou desconfiada e eu, de coração, queria contar, mas quanto menos ela soubesse, melhor.

 

— Por aí, apenas por aí. – fui até ela e a beijei – Você sempre foi como uma mãe pra mim Claire e você sabe disso, não sabe?

 

— Claro que sim criança, mas porque está me dizendo isso?

 

— Por nada. Para ver se você tira essa ruguinha de preocupação do rosto.  – eu sorri e fui para meu quarto.

 

                As horas se arrastavam. Eu e Henry havíamos marcado assim que o sol nascesse, para evitar que alguém nos visse saindo da cidade. Eu mal consegui dormir de ansiedade. Quando os primeiros sinais do alvorecer começaram a surgir no horizonte eu sai cautelosamente do meu quarto e caminhei para nosso lugar. A única coisa que carregava comigo era uma foto de minha família. Um dia eu escreveria para eles e talvez quando eles me perdoassem, nos veríamos novamente. Lagrimas de alegria e tristeza corriam por minha face, mas eu não hesitei. Continuei até que avistei a silhueta de Henry me esperando. Quando nossos olhares se encontraram corremos em direção um do outro e nos beijamos. Parecia um sonho até que ouvimos barulho de galopes de cavalo e nos separamos. O olhar de Henry se perdeu atrás de mim, quando me virei meu coração falhou uma batida e minhas pernas fraquejaram.

 

                Meu pai, seus dois capatazes, Joshua e Samuel estavam, cada um em seus cavalos olhando a cena.

 

— Papai, o que faz aqui? – perguntei quase num sussurro.

 

— Eu que lhe pergunto. – eu vi nos olhos de meu pai uma raiva que nunca tinha visto direcionada a mim, em toda minha vida – Ainda mais com um Patterson.

 

— Papai, por favor, eu e Henry nos amamos.

 

— Senhor, eu amo sua filha, quero me casar com ela.

 

— Se casar? – meu pai deu uma gargalhada – Só a ingênua da minha filha para acreditar numa asneira dessas. É obvio que esse romance é um plano seu e de seu pai para conseguir tirar alguma terra de mim. – meu pai olhou furiosamente em direção a Henry e depois fez um sinal quase imperceptível para o capataz, que eu sabia bem o que significava. – Agora solte minha filha. Venha Sophia.

 

— Não! – eu disse tirando coragem do meu amor por Henry. Sabia que se eu me afastasse dele o capataz iria atirar. – Não vou permitir que vocês façam mal a ele.

 

— Samuel! – meu pai rosnou e com aquela única palavra meu irmão desceu do cavalo e veio na minha direção. Eu vi no olhar dele que ele não concordava com aquilo, mas ele era fraco demais para confrontar papai.

 

                Eu abracei Henry e sussurrei em seu ouvido: “Fuja, por favor, meu amor. Eu dou um jeito de entrar em contato e fugiremos outro dia, agora apenas zele por sua vida que eu ficarei bem”. Ele me encarou e entendeu que ali, não teria chances contra os três homens.

 

                Henry se abaixou e pegou um punhado de terra, quando Samuel me puxou par perto dele, Henry jogou a terra nos olhos dos capatazes e saiu correndo, subiu em seu cavalo e saiu enquanto os dois homens recuperavam a visão.

 

— Leve-a pra casa Samuel. – meu pai rosnou novamente.

 

— Deixe-o ir papai, por favor, eu lhe imploro.

 

— Está esperando o que Samuel? Faça o que mandei.

 

                Vi meu pai mais os três homens se afastarem indo na direção onde Henry tinha ido e meu coração se apertou. Se eles o alcançassem ele não sairia vivo do confronto. Ainda chorando copiosamente, subi na garupa do cavalo de Samuel que não disse uma única palavra, apenas fez o que lhe foi mandado.

 

                Quando chegamos em casa Claire e mamãe esperavam nervosas na varanda. Assim que Samuel me deixou próximo a elas disse:

 

— Ela estava com o filho dos Patterson. – eu o encarei furiosa. Ele estava me traindo, enquanto eu sempre omiti seu segredo.

 

Mamãe me olhou estupefata e quando eu me aproximei ela me deu um tapa no rosto, fazendo-o arder. Claire por sua vez tinha lágrimas nos olhos.

 

Os minutos que se seguiram foram intermináveis. Eu não aguentava mais esperar para saber se estava tudo bem com Henry. Mais tempo se passou, até ouvi os galopes dos cavalos se aproximando. Meus olhos ainda vermelhos observaram meu pai e os dois capatazes adentrarem e se aproximarem da varanda, quando violentamente meu pai me gritou.

 

— Sophia! Venha até aqui. – rapidamente me levantei e fui até a varanda, mas não me aproximei dele. Não adiantou, pois papai  me puxou até próximo a ele. Lágrimas voltaram a correr do meu rosto quando percebi um corpo enrolado em uma lona na garupa de um dos capatazes – Me diga. O que você e aquele projeto de Patterson iam fazer?

 

— Nós íamos fugir, já que existe essa briga idiota entre as nossas famílias...

 

— Quantas vezes vocês se encontraram?

 

— Muitas... Inúmeras... – eu já não me importava mais com o castigo que receberia. Eu não esconderia meu amor por Henry – E eu sou dele, de corpo e alma.

 

                Assim que eu disse isso meu pai me esbofeteou e eu só consegui sentir raiva dele. Como podia ser tão irracional? Porque eu estava apanhando? Apenas por ter um amor sincero?

 

— Está vendo isso? – ele apontou para o corpo – A culpa é toda sua! – quando meu pai levantou o saco vi o rosto de Joshua ensanguentado. Caí de joelhos próximo aquele menino que pagara com a vida, por uma briga estúpida e sem sentido, chorando ainda mais, abaixei a cabeça – Agora arrume suas coisas que você vai para um convento.

 

— Não! – eu disse em meio a lagrimas.

 

— Não é você quem decide garota. – meu pai rosnou – Agora vá ou eu a levarei apenas com a roupa do corpo.

 

                Minha mãe se aproximou e caminhou até meu pai o abraçando.

 

— Pegou o desgraçado querido?

 

— Não, eles pareciam já nos esperar. Fomos recebidos a balas. Eles tiveram uma baixa também, mas não foi o Patterson filho.

 

               

 

                Claire arrumou algumas mudas em uma pequena mala e me abraçou em silencio. Ficamos assim um tempo enquanto eu apenas chorava. Meu irmão veio me chamar, pois papai já esperava na carruagem para me levar ao convento. Ele fazia questão de pessoalmente me entregar às freiras.

 

— Romeu e Julieta. – eu sussurrei no ouvido de Claire tentando fazê-la entender o tamanho do meu amor.

 

 

                Observei-a chorar na varanda copiosamente enquanto eu me afastava na carruagem. Minha mãe sequer veio se despedir de mim. Meu coração doía como se uma mão estivesse o esmagando.

Capitulo 4

 

Eu estava furioso, como nunca estivera em minha vida.

 

Queria matar alguém, e poderia facilmente começar pelo maldito Jackson Lewis, que tirara minha doce amada dos meus braços.

 

E depois por Samuel Lewis, o maldito egoísta que se encontrava as escondidas com a própria noiva, mas se colocara contra a irmã.

 

Olhei pela janela, para a noite escura, lamentando que tudo tivesse saído tão errado, quando estávamos a apenas alguns passos de conseguir viver nosso amor...

 

Como poderíamos fugir, agora que tínhamos sido descobertos? A vigilância sobre ela seria dobrada, e eu temia que isso fizesse com que desistisse de mim, do nosso amor.

 

— Por favor, querida, por favor... Lute por nós! — pedi para o quarto vazio, esperando que de alguma forma minhas palavras chegassem até ela.

 

— Henry! — ouvi meu pai me chamar.

 

Fui ao seu encontro, resoluto. Respeitava meu pai, mas estava completamente exausto de tudo.

 

Bati na porta do escritório, e entrei em seguida para encontra-lo sentado em uma grande poltrona próxima a uma lareira apagada, um copo de whisky na mão. Mantive-me em silencio, próximo a porta, aguardando.

 

— Você sabe a besteira que você fez? — meu pai soava decepcionado, e a tristeza se instalou em meu peito. — Sabe que agora tem uma família chorando a perda de um pai? E tudo por que você decidiu brincar de jovem apaixonado com quem não devia!

 

— Papai...

 

— A cidade cheia de lindas moças de família, Henry...

 

— Eu não queria outras, queria Sophia! — não admitiria que meu pai diminuísse o que eu sentia a algo que poderia ser sentido por qualquer outra moça. Meu coração havia eleito Sophia, e nunca poderia ser tocado por ninguém mais... Apenas ela, sempre.

 

Meu pai me olhou em silencio, pensativo. Levantou-se e foi até a janela, de costas para mim.

 

— Quando eu era jovem, me apaixonei por uma moça. — ele começou, o olhar perdido na noite escura, a voz monótona. — Ela era a minha alma, ou assim eu pensava. Ela era de família não muito bem vista na cidade, tinham fama de desonestos, e meu pai não aceitou nossa união.  Ele me advertiu varias vezes sobre ela, ameaçou me deserdar, mas nada adiantou. Eu era louco por ela, e acreditava que era correspondido. Um dia ela veio ate mim, dizendo-me que estava gravida. Eu fiquei feliz, e assustado também. Mas apesar de jovem, eu era um homem, e não deixaria um filho meu desamparado, e nem a mulher que amava. Marcamos a data da fuga, mas um dia antes algo aconteceu para que tudo mudasse. Eu a vi com outro, rindo de mim, dos meus sentimentos e de minha ingenuidade em assumir o filho de outro. Tudo era um plano para tirar dinheiro de minha família... Ela nunca me amara, e durante todo aquele tempo eu estivera sendo enganado... Se houvesse confiado na experiência de meu pai, não teria caído na inteligente teia daquela linda e ambiciosa jovem. Quando denunciei minha presença, ela tentou explicar o inexplicável, mas meus olhos agora estavam abertos. Eu a deixei naquele dia, casei-me com sua mãe... O amor veio com o tempo, e então construímos nossa família... — ele virou-se para mim, e havia tristeza em seus olhos. — Sua mãe era a mulher certa para mim, Henry, assim como Clarissa Montgomery é para você.

 

— Sophia é a mulher certa para mim, a única escolhida do meu coração. — mantive-me firme. Não abriria mão de minha amada. Nunca.

 

— Você pode até pensar assim agora, filho...

 

— Penso assim agora, e pensarei da mesma forma daqui a cinquenta anos. Nós pertencemos um ao outro papai, e eu só queria o apoio de minha família. Queria que nós e os Lewis déssemos um fim a essa disputa insana. Sophia e eu queríamos poder comemorar nossa união e nossa felicidade com nossas famílias...

 

— Isso nunca vai acontecer, Henry. Nem mesmo posso acreditar que você estava envolvido com aquela moça. — o rosto de meu pai se transformou nesse momento, raiva marcando suas feições aristocráticas. — Nunca nos misturaremos com aquelas pessoas!

 

 — Vou ser mais incisivo, pai, e é minha ultima palavra sobre este assunto. — olhei firmemente para ele. — Não importa como será, nós vamos fazer isso. Vamos ficar juntos, papai, por que ela é a mulher da minha vida.

 

— Se isso acontecer, você não será mais meu filho.

 

A ameaça me surpreendeu, mas eu não vacilaria.

 

— É sua escolha, não minha. — disse, deixando que ele visse minha dor, mas ainda assim minha decisão. — Com todas as consequências que vierem, nós vamos nos casar.

 

— Se é assim, filho. — meu pai disse, os olhos semicerrados atentos em minhas expressões. — Por que ela não subiu no seu cavalo e fugiu com você quando foram pegos?

 

— Por que ela temeu por mim, por minha vida.

 

— Ou por que, afinal, o sangue falou mais alto?

 

Por um momento o horrível pensamento de que ela realmente tivesse voltado atrás invadiu minha mente, e machucou meu coração. Mas o repudiei rapidamente.

 

— Nada é mais forte que nosso amor, papai... Nem os laços sanguíneos.

 

— Pense melhor nisso, filho. — meu pai bateu amigavelmente em meu ombro enquanto saia do escritório, deixando-me sozinho.

 

 

 

Mesmo sabendo que ela não estaria lá, fui até nosso lugar de encontro no dia seguinte. Não queria correr o risco que ela por milagre conseguisse escapar da vigilância e não me encontrasse ao chegar aqui.

 

Mas minha adorada não apareceu, e a noite caia quando voltei para casa.

 

Nos dias seguintes repeti o mesmo ritual, e sete dias depois eu estava desesperadamente preocupado e angustiado. O que havia acontecido com minha doce Sophia? O que haviam feito com ela? O que estaria sentido?

 

Vários pensamentos inquietantes passaram por minha mente, e me atormentavam dia após dia, e eu não podia mais me conter.

 

Precisava vê-la, nem que isso custasse minha vida...

 

Morrer por Sophia valia a pena.

 

 

 

 

 

Decidi esperar pelo cair da noite, e fui até a fazenda dos Lewis.

 

Mas era simplesmente impossível entrar. Haviam vários homens armados guardando  as entradas da fazenda.

 

Olhei para a casa, esperando que pudesse ao menos vê-la de longe... Quão mais tranquilo eu ficaria se pudesse beber sua fisionomia tão amada e desejada.

 

Mas em todas as horas que me mantive a espreita, esperando uma abertura, uma pequena chance que tivesse para entrar, ela não apareceu.

 

Eu estava enlouquecendo de amor e de preocupação... Precisava ter notícias dela, precisava saber que ela estava bem, e então leva-la para longe daqui... Nós teríamos um lar onde o amor imperaria, e formaríamos nossa família... E nossos filhos poderiam encontrar suas próprias noivas, sem precisar levar nada mais em conta que não o amor.

 

Mas esses pensamentos, longe de trazerem felicidade ao meu coração como antes, agora me traziam tristeza.

 

Quando poderíamos começar a viver nossa vida? Eu não sabia como Sophia estava, o que estava sentindo e pensando, e aquilo estava me matando, por que não tinha a quem recorrer, e sabia que ela estava tão triste e impotente como eu...

 

Abandonando minha vigília, cavalguei em direção à cidade. Precisava de uma fuga, ao menos por uma noite, de todo o sofrimento e angustia dos últimos dias.

 

Entrei no Saloon, e pedi uma dose de whisky, que bebi em um único gole, pedindo outra, enquanto lembranças de Sophia e de nossos encontros não me abandonavam... Queria por um instante esquecer onde tudo aquilo nos levara, e acreditar que me encontraria com ela no dia seguinte, que meu amor estaria me esperando no nosso lugar secreto, em meio as flores, tão linda e perfeita que parecia uma delas...

 

Mas eu não conseguia esquecer, e incontáveis doses de whisky depois eu estava bêbado e zangado com nossas famílias, com o destino e com o mundo.

 

Sai cambaleando do Saloon, agora decidido a entrar na fazenda mesmo sob balas, se isso me garantisse ao menos vê-la de longe.

 

Não acreditei em minha boa sorte quando, ao sair do saloon, vi Samuel Lewis passando rápido em seu cavalo, e minha mente embriagada formou um plano. Subi em meu cavalo, seguindo-o.

 

Em determinado trecho da estrada, ele percebeu que estava sendo seguido, e seguiu mais rápido, fazendo-me também esporar meu cavalo.

 

Alguns minutos depois consegui alcança-lo, e coloquei minha montaria na frente da dele, obrigando-o a parar repentinamente e tentar acalmar o cavalo que relinchava nervoso.

 

— Qual o seu problema? — ele gritou para mim, descendo do cavalo. — Quer nos matar?

 

— Quando penso em você afastando Sophia de mim, eu realmente tenho esse desejo, Lewis. — disse a ele, enquanto pulava de minha montaria. — Mas nunca faria isso com o irmão de minha amada, e você me será muito útil vivo, hoje.

 

— Você está louco! — ele me disse, enquanto se preparava para montar novamente.

 

— E você é um maldito covarde e hipócrita! — cuspi a ofensa, e Samuel me encarou furioso.

 

— Como ousa? Você invadiu vezes sem conta minha casa, desrespeitando minha irmã debaixo de nosso teto e...

 

— E enquanto isso você se encontra muito respeitosamente escondido com sua digníssima noiva. — observei com satisfação Samuel empalidecer e dar um passo atrás.

 

— Eu nunca...

 

— Nunca o que? Nunca se encontrou com sua noiva longe de outras pessoas? Nunca correu riscos para poder tê-la por alguns instantes somente para si? Nunca desejou ardentemente pelo dia do seu casamento para estar completamente com ela? Nunca...

 

— É totalmente diferente, Patterson! — Ele me interrompeu ríspido, vindo em minha direção. — Nós estamos noivos, ao passo que você se aproveitou de minha irmã! Você sabia que nunca poderiam ficar juntos, mas ainda assim continuou seduzindo-a! Vocês iam fugir! Como pode dizer que a ama se a desonrou dessa forma?

 

— Eu conheço meus motivos, Lewis... Motivos esses que não vou lhe dizer, porque você obviamente não sabe a sorte que tem em poder ter livremente a mulher que ama... Então, você vai me ajudar a entrar na fazenda e falar com sua irmã... — observei seus olhos se arregalarem quando saquei minha arma. — Esta noite.

 

— Você está louco! Não farei nada disso!

 

— Então vou precisar pensar em uma forma de Sophia me perdoar por mata-lo... — movimentei sugestivamente minha arma, e vi que ele olhava nervosamente para a estrada deserta.

 

— Você não ousaria...

 

— Oh sim, eu ousaria! — gritei enquanto me aproximava dele, ameaçador. — Sabe por que, Samuel Lewis? Por que estou enlouquecendo! — esbravejei. — Estou louco porque tiraram o que havia de mais precioso em minha vida! Você a levou de mim, como se eu fosse um criminoso que não a merecia! E agora nós vamos entrar juntos naquela fazenda, ou vou mata-lo aqui mesmo! — armei a pistola e apontei para ele, e pude ver o medo brilhar em seus olhos.

 

— Ela não está na fazenda! — ele gritou, olhando nervosamente da arma para mim.

 

— Onde ela está?

 

— Abaixe a pistola...

 

— Não! Inferno, diga-me agora onde ela está, Lewis!

 

Ele me encarou por algum tempo em silencio, e então virou o rosto.

 

— Onde, Lewis? — gritei, exasperado.

 

— Europa! — ele disse apressadamente.

 

Imediatamente recordei trechos de nossas conversas, quando Sophia me dizia o quanto desejava conhecer aquelas terras. Não pude evitar sorrir a lembrança daquele dia que agora parecia há anos, quando eu havia lhe prometido leva-la até lá.

 

— Foi comprar seu enxoval de casamento. — ele completou.

 

Pisquei atordoado.

 

— Enxoval de casamento? — perguntei, sem ar.

 

— Sim, ela se casará em breve. — ele afirmou suavemente. — Siga com sua vida, Patterson. Sophia foi sensata. Sabia que vocês não poderiam ficar juntos sem precisar sacrificar coisas inestimáveis para ambos... E no final, ela julgou que não valia a pena. Minha irmã fez a escolha certa: a família.

 

Não podia acreditar no que ouvia. Ele estava mentindo, Sophia nunca desistiria de nós dois, do nosso amor. Nós éramos almas gêmeas, metades de um todo, e aquilo era definitivo, uma aliança forte e eterna.

 

Ela não se casaria com outro!

 

— Você está mentindo! O que fizeram com ela? Onde ela realmente está? — Joguei a arma com descuido para o lado, e agarrei Samuel pela lapela do paletó. — Como pode mentir dessa forma, e negar a felicidade a sua própria irmã, maldito?

 

— Não estou mentindo! Ela vai se casar!

 

— Sim, ela vai, mas comigo!

 

— Não! Com Joseph Irving! — ele disse firmemente.

 

Contra a minha vontade, a duvida entrou em meu coração.

 

Aquilo seria possível? Ela seria fraca e não lutaria por nós?

 

— Você não vê como tudo isso só traria sofrimento? — Samuel continuou. — Vocês podem até estar apaixonados agora, mas e com o tempo? Sophia precisaria abrir mão de nossa família para ficar com você, e isso a destruiria no futuro. Vocês não seriam felizes, Henry.

 

Em silencio o soltei. Samuel afastou-se rapidamente de mim, me olhando desconfiado, mas eu não estava mais prestando atenção. Vagamente o vi montar novamente em seu cavalo e sair em disparada, mas meus pensamentos estavam tumultuados e confusos.

 

Casar-se com Joseph Irving. Escolhera a família.

 

Imagens de nossas juras de amor passavam impiedosamente por minha mente, e machucavam meu coração, ou o que restara dele. Ainda não conseguia acreditar que ela fizera isso, que tomara o caminho mais fácil, que se daria por vencida...

 

Mas fora o que ela fizera, e de repente ficou claro a razão dela não ter fugido comigo, mesmo debaixo das balas de seu pai... Ela os escolhera naquele instante, e eu não havia percebido.

 

Peguei meu cavalo pela rédea, e caminhei pela estrada lentamente.

 

Preocupara-me todos aqueles dias, brigara com meu pai, quase ficara louco... E ela estava alegremente se casando com outro, fazendo planos com outro... Os mesmos planos que certa vez nós dois havíamos feito.

 

Imaginei Sophia linda e radiante, em um belo vestido branco, entrando em uma igreja ricamente decorada... Há alguns dias, aquela era uma cena que eu antecipara, e eu estava no lugar do noivo... Agora a odiada imagem de Joseph Irving, que eu nem mesmo conhecia, estava no meu lugar no altar, nos meus preciosos sonhos, tomando minha mulher para si...

 

Pensar no cálido e macio corpo de Sophie entre os braços de outro homem me fez sufocar, a dor dilacerando meu peito.

 

Eu estava morrendo, e realmente esse era um melhor destino do que viver sem ela, minha adorada Sophia...

 

Sophia, que em poucos dias pertenceria a outro por que fora covarde.

 

Montei o cavalo, e o incitei rapidamente em direção à fazenda Patterson.

 

Era muito tarde, mas não me importei. Assim que entrei em casa, fui rapidamente para o quarto dos meus pais, batendo na porta com força.

 

— O que é isso? — meu pai perguntou rispidamente enquanto abria a porta, e eu podia ver minha mãe atrás, os olhos arregalados. — Henry, você estava bebendo?!

 

 

— Aquela moça — comecei, decidido. — Clarissa Montgomery. Vou me casar com ela. — anunciei, e caminhei pelo corredor em direção ao meu quarto. — O mais rápido possível.

Final

 

 

O meu coração já não suportava mais tanto sofrimento, eu estava há dois meses presa nesse convento. Lembro-me como se fosse ontem da conversa que tive com meu pai, enquanto seguíamos na carruagem para este lugar e eu chorava compulsivamente.

 

 

 

—  Eu sempre tive você como a minha bonequinha, minha joia rara e perfeita, sempre ofereci o melhor que a vida podia te dar, e olha como você retribui... Manchando a honra de nossa família. Estou decepcionado com você Sophia! – ele disse com lagrimas nos olhos.

 

 

 

                Ver o meu pai com esse semblante tão triste, fez meu coração já partido, se quebrar um pouco mais. Mas a raiva que eu sentia fez com que eu e o encarasse com toda fúria;

 

 

 

—  Sinto muito que as coisas tenham acontecido desse jeito papai! –  eu gritei –  Mas eu o amo! Eu amo o Henry Patterson, e nem toda a distância do mundo, fará diminuir esse amor.

 

—  Você é uma tola, que aceitou ser deflorada por aquele imundo. –  ele respondeu com fúria nos olhos.

 

—  Foram os melhores dias da minha vida! –  disse, novamente alterada –  E o que está guardado aqui no meu coração e na minha memória, ninguém poderá apagar.

 

—  Você terá muito tempo para pensar. O convento será um bom lugar para você, nessa altura a cidade toda sabe do ocorrido, será bom você ficar afastada por alguns anos.

 

—  Anos? Eu não posso ficar anos em um convento. –  eu disse apavorada.

 

—  Claro que você pode, e vai. As freiras do convento Santa Marie vão te ajudar a colocar juízo em sua cabeça.

 

—  Mas papai... – implorei.

 

—  Não me chame mais de pai, eu não tenho mais uma filha. –  ele disse com desgosto na voz.

 

 

 

                Desde aquele dia eu não o tinha visto mais e também não havia visto Henry, “Será que ele sabe que eu fui mandada para cá?” pensei. A saudade que sentia de Henry fez meu coração apertar um pouco mais.

 

 

 

—  Sophia! – chamou a madre superiora entrando em meu quarto.

 

—  Sim Madre?

 

—  Você está chorando novamente menina? –  ela me perguntou limpando meu olhos.

 

—  Eu estava pensando em meu pai. A sua ultima frase para mim foi “eu não tenho mais uma filha”. Será que ele me odeia madre? –  perguntei.

 

—  Isso seria impossível Sophia. Você cometeu muitos erros sim, mas o Sr Jackson sempre será o seu pai e ele sempre te amara. Ele está magoado e chateado. Espere menina, com o tempo os ressentimentos passam.

 

—  É isso que eu espero madre. Mas eu não me arrependendo de nada do que eu fiz, eu amo o Henry e meu amor por ele só aumenta a cada dia. –  declarei. 

 

—  Sophia, você ainda é muito nova. Você vai aprender que o tempo cura tudo, até o amor. Daqui a alguns anos, você entenderá que o seu pai só fez o melhor para você. –  a madre disse acariciando meus cabelos.

 

—  O melhor para mim? –  eu disse tentando controlar a minha voz. –  Me afastar do homem que eu amo por conta de uma briga inútil foi o melhor para mim? Eu estou isolada há dois meses nesse lugar, trancada aqui sem saber o que esta acontecendo. Se papai resolveu se vingar dos Patterson, se Henry foi ferido, ou até então...

 

 

 

                Eu não consegui terminar a frase, pensar que Henry poderia estar morto fez meu estomago embrulhar e eu despejei todo o meu desjejum no chão do meu quarto. A madre segurou o meu cabelo enquanto eu convulsionava sem parar de vomitar.

 

 

 

—  Me desculpe madre. —  eu disse quando o enjoo passou. —  Esse assunto sempre me deixa desse jeito.

 

—  Sophia, você vem tendo esses enjoos e tonturas nesse ultimo mês. Estou começando a ficar preocupada, acho que você esta ficando enferma, vou solicitar um médico para vir examiná-la. Também vou enviar um mensageiro avisando a sua família que você se encontra acamada.

 

—  Eles não estão preocupados comigo. Ninguém virá ao meu auxilio.

 

—  Deite-se e descanse Sophia.

 

 

 

Eu adormeci pensando em Henry, e enquanto eu sentia a sua falta. Fui acordada com um carinho na cabeça.

 

 

 

—  Madre, não se preocupe, eu estou melhor. –  respondi um pouco sonolenta. 

 

—  Não é o que está parecendo. –  uma voz feminina muito conhecida me respondeu. Eu levantei em um sobressalto.

 

—  Claire! –  eu disse a abraçando forte.

 

—  Menina Sophia, que saudades eu senti de você. –  ela respondeu chorando. 

 

—  Você nunca veio me visitar Claire. –  eu disse com o tom acusador na voz, mas feliz demais de vê-la ali.

 

—  Eu não podia, o seu pai proibiu a todos nós de virmos visitar você. Somente ontem quando um mensageiro nos trouxe o recado da madre, dizendo que você estava doente, que seu pai me autorizou vir te ver. Eu tive de implorar Sophia!

 

—  Eu estou dormindo desde ontem?

 

—  Sim, e a madre me disse que você não está se alimentando bem e que quase todos os dias você tem enjoo. Você sente mais alguma coisa Sophia?

 

—  Não, somente muito sono e alguns enjoos. Devo estar assim de saudades, como estão todos?

 

—  Aquela casa não é mais a mesma sem você menina. O seu pai só anda triste pelos cantos e já vi sua mãe chorando por diversas vezes.

 

—  Eu sinto muita falta de todos. –  respondi chorando.

 

—  Você foi muito imprudente Sophia! –  Claire me repreendeu. –  Mas eu te entendo, li o livro que você me recomendou, “Romeu e Julieta”, agora te entendo um pouco mais.

 

—  O meu amor por Henry é maior do que eu posso descrever Claire. Você tem noticias dele? —  perguntei animada.

 

—  Eu acho melhor você descansar Sophia, você está abatida. –  Ela respondeu, claramente tentando mudar de assunto.

 

—  Claire! Responda-me, por favor, você tem noticias de Henry? –  perguntei preocupada.

 

—  Sophia, eu acho melhor você esquecer esse rapaz.

 

—  Por que? O que aconteceu? Não me diga que papai... – eu não conseguia terminar de falar, respirei fundo para continuar – Não me diga que papai o matou?

 

—  Não, não... Depois daquele dia que você foi embora, seu pai se isolou para o mundo, nem a dor da vingança conseguiu tira-lo de casa. –  Claire respondeu.

 

 

 

Ouvi-la dizer isso, me fez sentir culpada por todo esse sofrimento de minha família.

 

 

 

—  Mas e Henry? Por que você me pede para esquecê-lo?

 

—  Menina Sophia, todos na cidade estão comentando sobre o casamento. –  ela respondeu receosa.

 

—  Que casamento? –  a curiosidade me corroia –  O de Samuel? Pelas contas que fiz, imaginei que ainda teria duas semanas para a festa acontecer.

 

—  Sim, seu irmão se casa daqui duas semanas mesmo. Não é o casamento de Samuel que eu estou falando.

 

—  Quem se casará então? –  perguntei confusa.

 

—  Henry, se casará depois de amanha com Clarissa Montgomery.

 

 

 

Não, não, não era possível.

 

 

 

—  Henry se casara? Com Clarissa Montgomery? —  perguntei incrédula.

 

—  Sim, o casamento foi anunciado a dois meses atrás.

 

—  Dois meses? Mas só faz dois meses que eu ....

 

 

 

                Claire balançou a cabeça confirmando. Eu não precisava terminar a frase. Estava tudo muito claro agora para mim, Henry desistiu de mim, desistiu do nosso amor. E com poucos dias que eu havia sido trazida a força para esse lugar, ele já tinha encontrado outra mulher para casar. Aquele pensamento me fez sentir outro enjoo e novamente eu regurgitei todo conteúdo do meu estomago. Dessa vez deu tempo para Claire me trazer uma bacia que estava ao lado de minha cama.

 

 

 

—  Aquele desgraçado! –  gritei quando me recuperei. –  Ele só queria me usar. Eu não posso acreditar que me permiti ser iludida por ele, que... Entreguei-me para ele. –  eu chorava com raiva.

 

 

 

Claire ficou pálida de repente. Ela olhava para mim com uma cara de espanto.

 

 

 

—  O que foi Claire? – perguntei.

 

—  Menina Sophia, quando foi a ultima vez que as... Que as suas regras vieram? –  ela perguntou.

 

 

 

Parei para pensar por um momento e não conseguia me lembrar de quando foi a ultima vez que havia tido as minhas regras.

 

 

 

—  Acho que foi na festa de verão. Eu estava em minhas regras naquele tempo. –  respondi um pouco confusa. Já fazia tanto tempo assim que as minhas regras não vinham? Eu deveria estar doente mesmo.

 

 

 

Claire levantou assustada e ficou andando de um lado para o outro no quarto.

 

 

 

—  O que está acontecendo Claire? Por que você está agindo assim?

 

—  Todos esses enjoos e o sono... E agora a falta de regras. –  Ela falou.

 

 

 

Eu não levei menos de um minuto para entender sobre o que Claire estava falando, ela já havia conversado comigo sobre essas coisas, várias vezes.

 

 

 

—  Eu estou grávida. –  disse em um sussurro.

 

—  Sim, você está. –  ela disse se sentando e alisando meus cabelos. –  Mas nós podemos dar um jeito nisso. Eu tenho uma conhecida que tem algumas ervas que podem...

 

 

 

Eu não a deixei terminar.

 

 

 

—  O que? –  disse me levantando. –  Não! Eu não vou tirar meu filho!

 

—  Você não pode ter uma criança, nenhum homem no mundo aceitaria se casar com você. Seu pai nunca permitiria. –  Claire respondeu.

 

—  Eu não preciso de um homem, vou criar o meu filho sozinha. –  respondi furiosa.

 

—  Sophia...

 

—  Não Claire, eu te amo, mas não vou permitir que você faça nada com meu filho. Não conte a ninguém, por favor! ­ – Implorei.

 

—  Eu jamais faria nada disso menina, só quero o melhor para você. –  ela respondeu sincera.

 

 

 

                Uma ideia veio a minha mente. Eu precisava de sair daqui, eu não poderia permitir que meu pai descobrisse minha gravidez, ele com certeza faria algum mal para o meu bebê.

 

 

 

—  Se você só quer o melhor para mim, então me ajude a fugir! –  falei animada.

 

—  Você esta louca? Eu não posso fazer isso, seu pai me mataria – Claire respondeu.

 

—  Papai nunca mataria você Claire. E o meu plano é muito bom, ele jamais descobriria que você me ajudou.

 

 

 

                Com muita relutância Claire me ouviu e decidiu me ajudar a fugir. Eu já havia percebido que só tinha um guarda protegendo a entrada principal do convento, o meu quarto era em frente a uma salinha que o guarda descansava e dava pra ver que esse guarda sempre dormia alguns minutos depois de sua ronda. Claire me prometeu que, a noite no outro dia, ela combinaria com um dos criados de confiança dela e haveria um cavalo amarrado em uma arvore para eu fugir, eu só teria que esperar todos dormirem e o guarda cochilar, para eu escapar.  

 

 

 

                O dia passou lentamente e a minha ansiedade aumentava a cada minuto. Eu alisei a minha barriga, agora eu carregava uma criança comigo. Não dava para aparecer ainda, mas eu o sentia em meu ventre. “O seu pai nos abandonou, mas eu vou cuidar de você bebê, nós ainda vamos ter muita felicidade” falei com meu bebê.

 

 

 

                Quando a noite chegou, a madre superiora veio como de costume, me desejar boa noite. Eu sentiria saudades da madre, foi ela que me ajudou a suportar toda tristeza. Fingi estar dormindo e pedi em silencio para Deus que me ajudasse a escapar dali. Esperei todos irem dormir e sai sorrateiramente levando apenas algumas roupas, um cobertor e o retrato de minha família. O guarda já estava em seu habitual cochilo e sem nenhum barulho, eu passei por ele e pulei um dos muros do convento. O cavalo estava me esperando, como prometido por Claire. “Ela nunca me decepcionaria” pensei.

 

 

 

                Fugi trotando com o cavalo por o que pareceu uma eternidade. Eu estava sem rumo e sem dinheiro, não sabia para onde ir. Estava exausta e sabia que eu precisava descansar. Decidi aonde iria, lá com certeza não haveria ninguém e eu poderia descansar. Demorei algum tempo para me lembrar do caminho da cachoeira, mas quando cheguei senti uma onda de tristeza me invadir, ali era o lugar onde me encontrava com Henry muitas vezes para nos amarmos. Ali entreguei o meu corpo e meu coração, onde eu vi o meu verdadeiro amor pela ultima vez. Desci do cavalo, o amarrei em uma arvore, me deitei em uma pedra me cobrindo com o cobertor. Chorei me lembrando de todos os momentos que tive com Henry, o mesmo Henry que amanhã se casaria com Clarissa. Mas amanhã eu sumiria pelo mundo, criaria meu filho e esqueceria que um dia Henry existiu, após tanto choro, nem percebi quando adormeci.

 

 

 

                O canto dos pássaros me acordou, o dia estava bonito, já era quase o fim do verão, mas o sol ainda estava lá, imponente e glorioso. Levantei-me preguiçosa e resolvi tomar um banho de cachoeira. Eu estava com saudade de todo esse ar livre e o contato com a natureza. Comecei a desatar os laços do meu vestido, quando percebi alguém se aproximar. Entrei em pânico e tentei me esconder. “Quem poderia ser? Será que já descobriram que eu fugi e passaram a noite me procurando?” pensei desesperada. Agachei-me atrás de uma pedra tentando me esconder, mas as minhas roupas ficaram visíveis.

 

 

 

—  Quem está ai? –  gritou uma voz que eu conhecia muito bem. Senti um arrepio na espinha quando o ouvi, já fazia tanto tempo... Henry!

 

 

 

                Eu permaneci calada. Não sabia o que fazer, eu queria confrontá-lo, mas o pensamento de vê-lo com Clarissa no mesmo lugar que nos amamos tantas vezes me fez mais triste.

 

 

 

                Ele avançou um pouco mais, e resolvi espiar para ver o que ele estava fazendo. Quando me levantei um pouco, vi que ele estava de costas, abria minha bolsa e pegava um dos meus vestidos. Ele o levou até o nariz e inalou o cheiro, o conhecimento imediato do meu perfume, fez com que ele gritasse o meu nome.

 

 

 

—  Sophia?! É você que está ai? Por que se esconde?

 

 

 

                Eu me levantei lentamente e quando nossos olhos se encontraram, toda a dor da saudade inundou o meu coração.  Ele me olhou assustado, e depois uma flash de emoção passou por seu rosto, seria saudade? Mas desapareceu rapidamente.

 

 

 

—  Eu já estou indo embora. –  eu disse tentando manter a voz firme. –  Só queria tomar um banho antes de partir.

 

—  Partir? Partir para onde? Não acaba de chegar? –  ele perguntou confuso.

 

—  Eu sai ontem a noite, mas não vou ficar por aqui, não se preocupe, não tentarei estragar o seu casamento. –  disse com a voz falhando.

 

—  Sophia eu...

 

—  Não precisa se explicar Henry. –  eu o interrompi. –  Eu sei que para você, eu fui uma aventura, até mesmo uma vingança, mas eu não fugi de lá para te atrapalhar, eu só quero ir para longe daqui, para longe de você. –  eu disse recolhendo meu vestido de suas mãos, mas ele o segurou com força.

 

—  Você teve de fugir de onde? Onde você estava, e por que esta tão abatida? –  sua voz era grave agora.

 

—  Não precisa fingir que não sabia que eu estava no convento Henry. –  rebati furiosa.

 

 

 

Henry ficou pálido e por um segundo o vi vacilar em seus pés.

 

 

 

—  Você estava em um convento? –  ele perguntou incrédulo.

 

 

 

“Ele estava fingindo? Será que era tão manipulador assim?” pensei.

 

 

 

—  Henry, o meu pai me enviou para o convento Sta. Marie no mesmo dia que ele nos descobriu, estou lá desde então. Ontem eu consegui fugir e vou embora para muito longe daqui. Você e a Clarissa podem ser felizes. –  disse com desdenho na voz.

 

—  Como você sabe sobre Clarissa?

 

—  Ah, você pensou que eu nunca saberia não é mesmo? –  a fúria fazia eu enxergar em vermelho agora. –  Pensou que eu não saberia que eu fui enganada por todo esse tempo, que você só esperou eu sair do seu caminho para desposar outra mulher. Pois bem Henry Patterson, eu estou saindo definitivamente da sua vida! –  gritei me afastando.

 

 

 

                Ele me agarrou pela cintura e me puxou para um beijo, que fez com que eu me lembrasse de como era grande o meu amor por ele, um beijo apaixonado, de saudade. Mas não, eu não poderia acreditar em mais mentiras dele, esse beijo era uma mentira. Eu me afastei rapidamente e dei um tapa em seu rosto.

 

 

 

—  Como você ousa? –  gritei. –  Você me abandona e aceita se casar com a primeira mulher que aparece e agora me beija?

 

—  Você tinha me abandonado! –  ele gritou. –  Sete dias depois eu fui até a sua casa e encontrei Samuel no caminho, apontei a arma para ele o obrigando a me deixar entrar em sua casa, mas ele me disse que você estava na Europa! Ele me disse que você tinha ido comprar seu enxoval para se casar com o Irving. Como você queria que eu tivesse agido? A mulher que eu mais amei em toda a minha vida, a única pela qual eu entreguei meu coração, havia desistido de mim. Eu estava cm raiva, magoado e aceitei a proposta de meu pai.

 

—  Você não lutou por mim! –  eu gritei. –  Eu estava presa durante todo esse tempo pensando em você, em seu amor, fazendo planos para quando eu saísse de lá, ficarmos juntos. Mas você simplesmente seguiu a sua vida, com Clarissa.

 

—  Eu não a amo! E muito menos ela ama a mim, esse casamento é arranjado. Eu nunca a toquei. –  ele gritou.

 

—  Eu não acredito em você! E eu vou parar bem longe para cuidar do meu filho sozinha.

 

—  Filho? – Ele perguntou assustado.

 

 

 

Arrependi-me no momento em que as palavras cuspiram de minha boca. Eu não queria ter contado para ele, mas na hora da raiva, não consegui me controlar.

 

 

 

—  Sim, eu estou grávida! E nem ouse me mandar tirar o meu filho. Eu sei que meu pai jamais aceitara, então fugirei. –  respondi firme.

 

—  Você não pode fugir com meu filho! –  ele gritou.

 

—  Eu posso fazer o que eu quiser! –  respondi

 

—  Você vai ter um filho meu. –  ele disse mais calmo, como se a ideia se assentasse em sua mente.

 

—  Sim, eu vou, descobri ontem que estava grávida, devo estar com uns dois meses.

 

—  Mas não parece. –  ele respondeu dando um passo em minha direção.

 

—  Está recente ainda. Claire me disse que devo começar aparentar daqui a alguns meses.

 

 

 

Henry tocou a minha barriga e começou a acariciá-la. De repente ele se ajoelhou e me puxou para um abraço.

 

 

 

—  Meu filho! –  ele sussurrava em minha barriga. –  Meu herdeiro.

 

 

 

Fiquei sem reação quando vi as lágrimas em seus olhos. Ele se levantou para olhar para mim.

 

 

 

—  Você não pode me deixar Sophia. Eu a amo como nunca amei ninguém nessa vida. Esses dois meses tem sido um inferno para mim, ficar longe de você, imaginando que você já não me amava mais... Foi uma tortura.

 

—  Eu nunca deixei de te amar Henry, nem por um segundo eu deixei de pensar em você. Eu fiquei devastada quando soube que você iria se casar.

 

—  Eu não vou mais me casar, tudo o que eu fiz e aceitei foi por que eu pensava que você tinha desistido de nós, mas agora que você esta aqui e carregando um filho meu em seu ventre. Eu não poderia continuar com esse casamento. – ele se ajoelhou novamente –  Por favor Sophia, me deixe fugir com você, me deixe ser o homem que vai cuidar de você e do nosso bebê, te amar e te respeitar enquanto eu viver. Você é o amor da minha vida, sem você, minha vida é vazia e sem sentido. Vamos ser felizes juntos. Case-se comigo Sophia?

 

 

 

Eu não poderia recusar, ele estava disposto a fugir comigo, afinal ele não amava a Clarissa, ele não havia brincado com meus sentimentos. A vida nos pregou uma peça, nos fazendo sofrer. Mas eu estava disposta a tentar mais uma vez.

 

 

 

—  Sim! Eu aceito. —  eu disse em meio as lagrimas.

 

—  Eu te amo Sophia.

 

—  Eu te amo Henry.

 

 

 

 

 

Epílogo

 

 

 

 

 

                Há dois anos eu não via Sophia, minha única filha, minha bonequinha... Fugiu com aquele bastardo. No dia do casamento dele com a filha do Montgomery, ninguém o encontrou mais, ele deixou um bilhete dizendo que iria seguir a sua felicidade ao lado de Sophia. Aquela menina... Sempre foi esperta, astuta. Não fiquei surpreso quando soube que ela havia fugido do convento, ela sempre conseguia o que queria, eu tentei encontrá-la, tentei até descobrir quem a ajudou fugir, mas foi em vão. Sophia não deixou rastros, eu até desconfio quem foi que a ajudou e não a culpo por isso, Sophia sempre foi amável com todos, não faltariam almas boas para ajudá-la.

 

 

 

—  Sr Jackson, o jantar será servido daqui a dez minutos. –  Claire anunciou entrando na sala de estar.

 

—  Obrigado Claire. Mas eu estou sem fome, pretendo somente tomar um chá com algumas torradas antes de me deitar.

 

—  Com todo respeito senhor, mas o senhor precisa comer. Já perdeu muito peso desde que... –  ela se deteve.

 

 

 

                Esse era um assunto proibido nessa casa, ninguém mais mencionava o nome de Sophia ou do bastardo que a levou para longe de nós. A família Patterson saiu da cidade dois meses depois que o filho abandonou Clarissa Montgomery no altar. Não suportaram ter o nome envolvido em murmurinhos na cidade. Nós também tivemos que lidar com as más línguas da cidade, mas decidi não fugir, enfrentei com honra e coragem os que ousaram nos difamar.

 

Hoje, as coisas se amenizaram, quase não se fala mais desse assunto. Meu filho Samuel se casou com Judith e eles esperam o segundo filho. Valentin, que voltara da sua viagem com a família, alguns meses depois da fuga de Sophia, também aumentou a prole e sua esposa estava grávida do terceiro. Às vezes me pego pensando, onde estaria Sophia? Como ela estaria vivendo? Saudável e feliz?

 

 

 

—  Senhor? –  Claire me chama me tirando de meus pensamentos.

 

—  Sim, eu estava distraído. –  respondo.

 

—  Tudo bem, quando o Sr desejar o chá com torradas, por favor me chame e eu os trarei.

 

—  Obrigado.

 

 

 

Quando Claire já estava quase saindo da sala eu a chamei novamente.

 

 

 

—  Sim Senhor. –  ela respondeu.

 

—  Ela te mandou alguma noticia? –  perguntei com a voz embargada. Eu sabia que Sophia escrevia para Claire de vez em quando.

 

—  Sim senhor, ela está bem. –  Claire me respondeu com um sorriso na voz.

 

—  Ah, tudo bem então, pode ir. ­ – disse.

 

 

 

                Fico feliz em saber que ela esta bem, apesar de tudo o que fez, Sophia é uma mulher encantadora que merece a felicidade, toda magoa que eu sentia se transformou em saudade. No outro dia, eu e Eric, meu neto de oito anos filho de Valentin, estávamos brincando na varanda da fazenda quando um mensageiro me trouxe uma carta. Agradeci e me sentei no balanço com Eric ao lado.

 

 

 

—  De quem é essa carta vovô? – Ele perguntou curioso.

 

 

 

Meu coração falhou por um segundo quando reconheci a letra. Era Sophia! Ela já havia me escrito alguns bilhetes quando era mais nova, e eu sempre a elogiei por ter uma letra tão bonita.

 

 

 

Abri a carta ofegante, meu coração, agora estava acelerado com a emoção de ter noticias dela.

 

 

 

Querido papai.

 

É com grande saudade que eu lhe escrevo essa carta. Confesso que já tentei escrevê-la muitas vezes, mas a coragem me faltou.

 

Papai por favor, não me odeie, eu sei que o que fiz foi imprudente e errado aos seus olhos. Mas eu não poderia abdicar do meu amor e da minha felicidade em nome de uma rixa tão inútil entre as nossas famílias. Eu amo o Henry e ele me faz a cada dia mais feliz. O senhor tem um neto, ele se chama Thomas Lewis Patterson, tem quase dois anos e é inteligente e astuto como o senhor. Estamos morando aqui na Europa, a Itália é linda,  tenho certeza que vocês iriam adorar o lugar onde moramos. Chama-se Toscana, tem grandes fazendas e vilarejos com pequenos comércios. Eu ensino outras pessoas a ler, enquanto Henry é um doutor muito querido por aqui.

 

Papai, eu sinto muitas saudades de todos por ai, Claire sempre me manda noticias (por favor, não brigue com ela, eu implorei por noticias de vocês), sei que temos mais membros na família e fiquei muito feliz por Samuel e Valentin.

 

Espero que um dia o Senhor me perdoe, eu tomei uma decisão e não me arrependo do que fiz, só lamento ter me afastado de vocês.

 

Eu te amo com todo o meu coração.

 

Sua filha

 

Sophia

 

 

 

P.S: Envio o meu endereço, se um dia, o senhor e minha mãe resolverem visitar a Itália, eu ficaria muito feliz em mostrá-la para vocês.

 

 

 

 

 

 

 

Com lagrimas nos olhos eu terminei de ler a carta, minha menina, minha Sophia, tão doce como sempre foi.

 

 

 

—  O Senhor esta chorando vovô? –  Eric perguntou.

 

 

 

Eu somente balancei a cabeça concordando.

 

 

 

—  Quem escreveu a carta? –  ele perguntou novamente.

 

—  Sua tia Sophia! –  respondi.

 

—  Sinto falta dela. – Eric disse.

 

— Eu também! Vá chamar a sua avó, por favor, Eric. –  pedi.

 

 

 

Depois de algum tempo, Beatrice chegou linda como sempre. Eu lhe entreguei a carta e ela leu com os olhos cheios de lagrimas.

 

 

 

—  Oh meu Deus, ela tem um filho! –  Beatrice choramingou. –  Eu nunca irei conhecer meu neto Thomas. –  Lamentou.

 

 

 

Pensei por um minuto decidindo a decisão que tomaria.

 

 

 

—  Beatrice, o que acha de conhecer a Itália?

 

 

 

 

Beatrice abriu um largo sorriso para mim... Nessa disputa entre as famílias, quem ganhou foi o amor. 

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